SOCIAL WATCH RELATÓRIO 2012 - O direito a um futuro

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2012
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Por toda parte, as crescentes desigualdades e a desregulamentação das finanças estão destituindo as pessoas da parte que lhes cabe nos benefícios da prosperidade mundial. Nossos filhos terão por legado o ônus do desflorestamento, da desertificação, da diminuição da biodiversidade e da mudança climática. Para reverter essa tendência, a promessa de dignidade universal que aportam os direitos humanos tem que ser implementada e os direitos das futuras gerações têm que ser reconhecidos e devidamente defendidos.
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As práticas atuais ameaçam a nossa própria existência

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Eurostep

O caminho do desenvolvimento trilhado pelas nações mais ricas está exaurindo os recursos naturais do planeta. É preciso uma mudança radical no atual sistema econômico que continua a produzir e a acentuar desigualdades econômicas e sociais em todo o mundo. Para enfrentar os desequilíbrios estruturais com sucesso, é de suma importância a introdução de mecanismos de controle e regulamentação geridos democraticamente que visem aumentar e proteger os direitos humanos em oposição aos privilégios corporativos. Erradicar a pobreza, mitigar as desigualdades e lutar por uma sociedade mais justa e inclusiva que respeite o meio ambiente deveriam ser pilares e objetivos centrais de tal estratégia.

O futuro do mundo, de seus 7 bilhões de habitantes atuais e das gerações vindouras será determinado pela forma como respondemos aos grandes desafios que nosso planeta está enfrentando.  Nossas práticas atuais ameaçam nossa própria existência.

A comunidade internacional adotou uma série de princípios e obrigações durante a Cúpula da Terra, a Rio-92, endossando o desenvolvimento sustentável. Infelizmente, a implementação desses princípios tem sido limitada. Países industrializados não conseguiram fornecer os meios (recursos financeiros e transferência tecnológica) para implementar os acordos da Cúpula da Terra e também para proporcionar a liderança necessária para mudar os padrões de produção e consumo, especialmente em seus próprios países.

A atividade humana tem sido a principal causa de degradação ambiental e mudança climática. O caminho do desenvolvimento trilhado pelas nações mais ricas do mundo exerceu uma pressão desproporcional sobre os recursos naturais não renováveis do planeta e continua a fazê-lo. É preciso tomar ações para conseguir uma transição de longo alcance para modelos de desenvolvimento sustentável e isso requer uma transformação radical e urgente na atual abordagem ao crescimento  econômico e à sua estabilidade e nos padrões de produção e consumo.

Os países têm responsabilidade comum, mas diferenciada, em sua contribuição para as atuais práticas insustentáveis, e consequentemente no uso insustentável dos recursos naturais do mundo. Já que as ações das nações industrializadas contribuíram mais para criar os problemas ambientais que todos, coletivamente, enfrentamos, elas deveriam ajudar ativamente os países em desenvolvimento a migrar e a adaptar-se aos efeitos adversos que enfrentamos.

Os limites da economia “verde”

Tomar as ações necessárias para por em prática mecanismos efetivos para a gestão sustentável do capital e dos recursos naturais vai, inevitavelmente, impactar os atores econômicos. A criação de uma economia verde provavelmente criará "empregos verdes", mas, por outro lado, destruirá os "empregos marrons". Portanto, durante o processo de transformação para uma economia verde, alguns indivíduos, grupos, comunidades e países irão perder, enquanto outros vão ganhar. Desenvolvimento sustentável é melhorar o bem-estar tanto das gerações atuais como das futuras, preocupando-se não apenas com a justiça ambiental, mas também social, econômica e intergeracional: apenas tornar a economia mais verde não fará com que o desenvolvimento seja sustentável.

Os pilares e objetivos centrais de qualquer estratégia de desenvolvimento sustentável deveriam ser erradicar a pobreza, mitigar as desigualdades e lutar por uma sociedade mais justa e inclusiva que respeite o meio ambiente e assegure a prestação de contas. Uma economia verde, mesmo que seja menos dependente de recursos naturais, continuará a promover a desigualdade a menos que outras mudanças fundamentais também aconteçam.

Em seu posicionamento para Cúpula da Terra Rio+20, a União Europeia vislumbra a ideia de repensar o modelo convencional de progresso econômico, mas, a despeito de propostas valiosas para políticas e estratégias, a UE ainda dá muita ênfase às inovações tecnológicas como um meio de alcançar mais eficiência com os recursos; inovações como técnicas de geoengenharia, nanotecnologia ou biologia sintética têm potencial para contribuir com a sustentabilidade, mas sem dúvida devem ser submetidas a avaliações de impacto sistemáticas e rigorosas.

Além disso, o desenvolvimento sustentável é um conceito que vai além do uso eficiente dos recursos: são necessárias reformas radicais que lidem com os padrões de produção e consumo, direitos sociais e políticos e práticas econômicas caso se queira abordar de forma adequada os aspectos multi-dimensionais da sustentabilidade.

Igualdade, poder, direitos humanos e participação democrática

O primeiro princípio da Carta do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento diz: “os seres humanos constituem o centro das preocupações relacionadas com o desenvolvimento sustentável”. Nesse aspecto, promover a igualdade social, de gênero, econômica e ambiental e reduzir a desigualdade e respeitar os direitos humanos deveria ser a base de qualquer estratégia de desenvolvimento. Isso só poderá ser alcançado envolvendo-se os cidadãos no processo de mudanças necessário para garantir a sustentabilidade, mudanças que têm que ser perseguidas com total transparência e responsabilidade.  Garantir o acesso à informação, aumentar a conscientização sobre as questões de desenvolvimento sustentável e melhorar a participação dos cidadãos e dos atores envolvidos no processo de tomada de decisão são elementos cruciais para o desenvolvimento sustentável.

A economia sustentável não pode ser alcançada sem o envolvimento de todas as partes da sociedade. A proteção social precisa ser ampliada para todos os membros da sociedade como um direito, e não apenas para aqueles com empregos formais. O financiamento de estratégias para o desenvolvimento deveria adotar uma abordagem baseada nos direitos humanos para atacar a questão da pobreza, dando um enfoque especial para as mulheres. Quanto à segurança alimentar, por exemplo, deve-se reconhecer o papel da mulher, que produz 60 a 80% dos alimentos em sociedades agrícolas.

Financiamento para o desenvolvimento sustentável

Serão necessários níveis significativos de financiamento dos países desenvolvidos para avançar na implementação efetiva das estratégias globais. Nesse contexto, também é preciso reconhecer o compromisso em fornecer fundos novos e adicionais para enfrentar a mudança climática.

Novas formas de financiamento que estiveram em discussão por mais de uma década podem ser também uma contribuição importante para a implementação de estratégias de desenvolvimento sustentável. A proposta de um imposto sobre as transações financeiras (FTT) deve ser levada adiante, e a maioria dos sistemas de tributação municipal e nacional precisa ser revisada, para que possa promover a sustentabilidade. Novos sistemas devem estar baseados no princípio "o poluidor paga" e todos os subsídios que minam o desenvolvimento sustentável devem ser eliminados.

Conclusões

A recente crise mostrou os limites dos atuais modelos econômicos. O aumento da liberalização não trará desenvolvimento, desenvolvimento este que deve ser compreendido como um conceito multidimensional que abrange o progresso econômico, ambiental e social. Esse modelo só trouxe o aumento da instabilidade, o surgimento de múltiplas crises, um aumento excessivo do acúmulo da riqueza pessoal, aumentando a desigualdade social e a degradação ambiental.

Os desequilíbrios estruturais no sistema econômico global, que perpetua desigualdades e aprisiona milhões no ciclo da pobreza, devem ser atacado, redistribuindo o poder e implementando mecanismos de regulamentação e controle geridos democraticamente. As pessoas devem estar no centro de qualquer estratégia para garantir a segurança social, econômica e ambiental.

A Rio 2012 é uma grande oportunidade para construir sobre os alicerces dos compromissos do passado e assegurar a sua implementação. O objetivo final deve ser a adoção de estratégias e compromissos internacionais vin

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Desenvolvimento sustentável na região Árabe

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As revoluções e revoltas dos povos Árabes que eclodiram inicialmente na Tunísia em dezembro de 2010 constituem a base para a correlação entre desenvolvimento sustentável, governança democrática e liberdade, enquanto a região Árabe continua a vivenciar guerras, crises e conflitos como resultado da violação de leis internacionais e da incapacidade de implementar as resoluções internacionais acordadas. É óbvio que a paz justa e sustentável nessa região não será conquistada a menos que o direito do povo Palestino à autodeterminação seja respeitado.

Rede Árabe de ONGs para o Desenvolvimento (ANND)

As revoluções e revoltas dos povos Árabes que eclodiram inicialmente na Tunísia em dezembro de 2010 constituem a base para a correlação entre desenvolvimento sustentável, governança democrática e liberdade, enquanto a região Árabe continua a vivenciar guerras, crises e conflitos como resultado da violação de leis internacionais e da incapacidade de implementar as resoluções internacionais acordadas. É óbvio que a paz justa e sustentável nessa região não será conquistada a menos que o direito do povo Palestino à autodeterminação seja respeitado.

Às tensões regionais, agrega-se o fato de que a água, o mais estratégico dos recursos naturais nessa região árida, está sendo administrada de maneira equivocada. A maior parte do suprimento de água dos países Árabes depende de processos custosos que fazem uso intenso de recursos energéticos, exaurindo outros recursos naturais. Isso ocorre em função da falta de expertise e supervisão nas esferas nacional e regional. A gestão de recursos somente pode ser aprimorada com a garantia de que o acesso à água doce permaneça como um direito humano básico.

Dessa forma, é essencial reavaliar as políticas existentes sobre uso da água e geração de energia para garantir que os recursos esgotáveis sejam utilizados de maneira justa e sustentável. Investimentos e cooperação inter-regional nesse campo também devem ser ampliados.

Medidas devem ser tomadas para garantir que o conceito da economia verde não se torne um retrocesso dos compromissos assumidos na Agenda 21, um dos principais resultados da Rio 92, mesmo que seja usado para dedicar-se a uma nova abordagem para conquistar a sustentabilidade global. Essa abordagem deve estar fundamentada em uma compreensão mais abrangente do desenvolvimento sustentável, que inclui a revisão de tendências globais de produção e consumo e priorização de direitos, igualdade, justiça e responsabilidades comuns, porém diferenciadas.

Políticas de energia não sustentáveis e mal gerenciadas exacerbaram a mudança climática, além de colocar em risco a segurança alimentar e da água em decorrência de certas tecnologias, como os biocombustíveis de primeira geração que criam uma impressão falsa de compensação entre energia e alimentos. A adaptação cada vez mais presente a técnicas sustentáveis favoráveis ao meio ambiente, como energia solar ou eólica, incluindo investimentos públicos e privados nesses campos, é essencial.

Uma parceria global revitalizada para o desenvolvimento sustentável deve abordar o tema da governança global, incluindo a forma como o comércio, investimentos e relações financeiras muitas vezes favorecem os países ricos à custa da subsistência de países pobres, e desviam os recursos que deveriam ser dedicados ao desenvolvimento e a objetivos vinculados aos direitos. É fundamental, portanto, reavaliar políticas e acordos comerciais que estejam na contracorrente da meta do desenvolvimento sustentável, e também abordar o desequilíbrio estrutural do poder na economia global que privilegia poucos.

É também crucial revisar e alterar políticas que moldam e apóiam - ou deixam de apoiar - o desenvolvimento sustentável, incluindo, por exemplo, as que tratam da soberania e segurança alimentar, assim como as relacionadas a novas tecnologias e transferência tecnológica. Isso ajudaria a abordar a ameaça aos ecossistemas e à biodiversidade imposta pela degradação da terra e pela poluição da água. Com relação a novas tecnologias, a aplicação do "princípio da precaução" é essencial para evitar os riscos e desafios de tecnologias não comprovadas.

A incidência da pobreza está aumentando em paralelo ao crescimento econômico na região Árabe, como acontece em outras regiões. A pobreza é mais preponderante entre populações rurais, cuja subsistência muitas vezes depende da agricultura. Os legisladores priorizaram a integração na economia global por meio da desregulamentação econômica, incluindo a liberalização do comércio e investimentos, financiamento de dívidas, privatização e parcerias público-privadas. Isso enfraqueceu ainda mais os países em desenvolvimento, aumentando sua dependência de importações de alimentos e exacerbando sua vulnerabilidade a choques externos.

É óbvio que o papel do Estado em assuntos econômicos precisa ser reconsiderado para equilibrar sua função como regulamentador e facilitador contra o papel do mercado num ambiente de crescimento econômico contínuo. Os países em desenvolvimento precisam abandonar o enfoque exclusivo no crescimento econômico e migrar para um modelo econômico baseado em uma perspectiva amplamente baseada em direitos.

Tanto os países desenvolvidos como os em desenvolvimento precisam de instituições fortalecidas que atuem nas esferas intra-regional e intra-temática, com foco na “governança participativa” que opera de baixo para cima. Maior coordenação e cooperação em torno do desenvolvimento sustentável são necessárias entre comissões regionais, fundos, programas, agências e bancos de desenvolvimento internacionais, em conjunto com instituições da ONU.

A mobilização da assistência técnica e financeira deve facilitar a implementação de programas e projetos de desenvolvimento sustentável acordados nos níveis regional e sub-regional, com ênfase no fortalecimento de participantes locais. Isso, por sua vez, depende de instituições governamentais sólidas que sejam transparentes e responsáveis perante todas as principais partes interessadas.

Por meio de estruturas de coordenação nacionais e locais, as instituições governamentais devem também promover a plena participação pública na formulação e implementação de políticas de desenvolvimento sustentável. Qualquer tipo de implementação exige políticas e mecanismos que garantam o envolvimento dos atores locais, de diversos grupos da sociedade civil e representações, incluindo as mulheres, os povos indígenas e as pessoas com habilidades especiais, que passam a ter o poder de tomar decisões e implementá-las, visto que muitas vezes estão diretamente envolvidos.

É crucial que o processo da Rio+20 resulte na adoção de compromissos acordados internacionalmente, com prazos estabelecidos e estratégias claras para atingí-los. A conferência deve esclarecer as responsabilidades de instituições globais de governança, incluindo agências da ONU, o FMI, o Banco Mundial, a Organização Mundial do Comércio, e outras, para a conquista das metas acordadas.  O nosso apelo é que se estabeleça um "Conselho para o Desenvolvimento Sustentável" equivalente a instituições como o Conselho de Segurança, o Conselho dos Direitos Humanos e o Conselho Econômico e Social, com a autoridade de monitorar a implementação de iniciativas nacionais para o desenvolvimento sustentável por meio de resoluções com vínculo legal.

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Direitos Humanos devem estar no centro da recuperação econômica

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Carta Aberta da Sociedade Civil[1]

O mundo ainda sofre as consequências da crise financeira global de 2008, sem perspectivas reais de recuperação a vista.Somente um compromisso duradouro de respeito, proteção e cumprimento das obrigações de direitos humanos legalmente vinculantes consagradas na Declaração Universal dos Direitos Humanos e os principais tratados internacionais pode fornecer a base para uma reforma que assegure uma economia global mais sustentável, resiliente e justa. Os líderes do G-20 devem garantir a execução de reformas para impedir que atividades especulativas no mercado financeiro ponham em risco o usufruto dos direitos humanos, e devem também ajustar um aumento relativo da pressão fiscal sobre o setor bancário e cooperar na promoção da transparência e da prestação de contas quando da mobilização de receitas.

Mais de três anos após o início da crise financeira global, a economia mundial enfrenta um futuro de incertezas. O constante mal-estar econômico clama pelo questionamento da real extensão da recuperação que foi largamente celebrada no ano passado. Além disso, o mundo jamais esteve próximo a uma “recuperação” do preço pago em direitos humanos da crise financeira. A pobreza e a desigualdade aumentaram e o crescimento econômico, onde houve, não trouxe melhores empregos ou maiores salários, mas uma distribuição assimétrica em favor dos setores mais ricos da sociedade.

Enquanto o mundo se prepara para um novo revés econômico, países e famílias, que mal se recuperaram da última recessão, agora enfrentam um situação ainda pior, com consequências negativas para os direitos humanos fundamentais tanto em países ricos como em pobres.

As obrigações dos Estados quanto aos direitos consagrados na Carta Internacional dos Direitos Humanos exige que os governos avaliem cuidadosamente as próprias escolhas e rumos de ação contra as conseqüências dos direitos humanos de maneira transparente, participativa, não-discriminatória e com prestação de contas.  Somente um compromisso duradouro de respeito, proteção e cumprimento das obrigações de direitos humanos legalmente vinculantes consagradas na Declaração Universal dos Direitos Humanos e os principais tratados internacionais pode fornecer a base para uma reforma que assegure uma economia global mais sustentável, resiliente e justa.

Privações de direitos humanos em larga escala em razão de crises econômico-financeiras não são fenômenos naturais inevitáveis. A agenda do grupo dos 20 (G-20) delineada em Cannes fornece várias oportunidades factíveis para os governos – individual e coletivamente – de escolher caminhos centrados nos direitos humanos alternativos para a recuperação econômica sustentável.  

Questões e recomendações

A seriedade dos problemas que ameaçam o mundo econômico hoje justifica uma resposta coordenada e coesa dos países do G-20 para estimular suas economias. A adoção prematura de medidas de austeridade nas políticas e a consequente redução na demanda agregada de produtos e serviços têm sido a principal razão pela qual o mundo teve uma recaída em direção a crise econômica. Essas políticas ameaçam continuar a privar as pessoas do acesso a renda, empregos e serviços enquanto a maioria de seus governos recusa-se a estabelecer sistemas justos para que o setor privado compartilhe o ônus da reestruturação da dívida pública.

As normas e princípios dos direitos humanos fornecem um marco para o desenho e implementação de medidas de estímulo que sejam participativas, transparentes, responsáveis e não-discriminatórias, e o G-20 deve garantir a implementação das medidas traçadas dentro do marco dos direitos humanos. Introduzir medidas de estímulo sem a avaliação adequada de seus efeitos não é desejável, especialmente quando estes podem impor um novo peso ao orçamento público em benefício das empresas privadas, que se baseiam no risco. Programas de infraestrutura pública com enfoque especial em gênero e meio ambiente estão entre as medidas que devem ser empreendidas para assegurar que qualquer recuperação beneficie os que mais precisam.

As obrigações dos governos de tomar medidas para cumprir com suas responsabilidades referentes aos direitos sociais e econômicos não podem ser sustentadas sem uma avaliação detalhada da contribuição que o setor financeiro dá ao orçamento público através de impostos. Em geral, a liberalização do capital ao longo das duas ou três últimas décadas significou mais impostos indiretos e regressivos, aumentando desproporcionalmente a pressão fiscal sobre as famílias das classes média e baixa.

A escala e a complexidade das instituições financeiras é outro fator de pressão. Grandes empresas do setor financeiro, algumas delas operando em dezenas de foros diferentes, têm resistido com sucesso a reduzir sua complexidade ou tamanho. Elas conseguem lucrar com desarticulações regulatórias e fiscais que tal posição torna possível, enquanto sua complexidade e tamanho limitam as chances de que os riscos resultantes possam ser exitosamente diluídos sem interromper as atividades bancárias vitais no caso de um colapso. O G-20 deve tomar medidas para abordar esse problema já que ele se relaciona a instituições financeiras sistematicamente importantes, inclusive através da intervenção regulatória direta para dissolver grandes empresas. É especialmente importante que os membros do G-20 concordem em adotar e implementar um imposto sobre transações financeiras e que estabeleçam um compromisso claro de usar os recursos resultantes para cumprir com suas obrigações de direitos humanos. Os governos devem tomar passos decisivos de cooperação internacional para assegurar a transparência e prestação de contas mútuas na mobilização de receitas internas.

Além disso, os governos devem impor regulamentações bancárias que reconheçam o dever dos Estados de prevenir, proteger e fornecer remédios efetivos contra as violações dos direitos humanos por atores privados, inclusive no setor financeiro. No curto e médio prazo, os governos devem ter plenos poderes para considerar a regulamentação dos serviços bancários como uma ferramenta essencial para garantir que todos possam usufruir dos direitos humanos cada vez mais.

[1] Adaptado da CartaAberta da Sociedade Civil aos Líderes do Grupo dos 20 sobre a Inserção dos Direitos Humanos na Regulamentação Financeira (outubro de 2011). Para a carta complete e a lista de organizações que a ratificam, acesse: < www.coc.org/rbw/g20-asked-uphold-human-rights-responsibilities-finance-november-2011>.
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Justiça Intergeracional: satisfazendo necessidades ao invés da ganância

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C.J.George
Coordenador Regional - Sul da Ásia
Terre des hommes, Alemanha

O conceito de justiça intergeracional foi introduzido em 1974 pelo economista James Tobin, que escreveu: “Os administradores de instituições detentoras de patrimônio são os guardiões do futuro contra as reivindicações do presente. Sua tarefa, ao administrar esse patrimônio, é preservá-lo entre gerações.”[1] O uso insustentável de recursos naturais leva à injustiça intergeracional.

Colocando-nos sob a perspectiva do todo coletivo, é fácil argumentar que somos obrigados a nos preocupar com o destino das gerações futuras. Mas a pergunta é como e até que ponto nossas ações e decisões atuais devem estar orientadas pelo futuro. Cada geração deve reservar uma quantia adequada de capital em retorno pelo que recebeu de gerações anteriores, permitindo que a última desfrute de uma vida melhor em uma sociedade mais justa..

Já que apenas a posteridade pode demonstrar os frutos de nossos projetos ou contribuições, não podemos realizá-los com base em relações contratuais. Enquanto a geração atual pode assumir algum compromisso para o futuro, o futuro ainda não chegou e não pode ser parte do contrato. É nesse sentido que a idéia de comunidade se torna útil. É dentro de uma comunidade que membros do coletivo encontram "um sentimento de identidade que é disseminado ao longo do tempo." Como essa comunidade existe nas esferas local, nacional, regional e global, a preocupação com seus membros futuros também deve ocorrer em todas essas esferas diferentes.

Assim, as considerações de justiça se aplicam a relações que vão além das atuais. Isso é especialmente verdade no caso da justiça distributiva. Até certo ponto, a geração de hoje exerce poder sobre as futuras e tem a possibilidade de esgotar os recursos de tal maneira que negue os direitos das gerações futuras. Não há como o futuro controlar o presente. Além disso, a geração atual exerce poder até mesmo sobre a existência de gerações futuras. Essa seria uma influência ainda maior do que a que ocorreu sobre a geração atual, onde a influência poderia, no máximo, afetar a sobrevivência das pessoas. Esses são argumentos suficientes para declarar os direitos de pessoas do futuro, embora possa haver alegações contrárias.

Outra tentativa de definir gerações futuras foi feita pela Universidade de IDWA em sua tentativa de reconciliar os interesses humanos com os da Natureza, que são distintos, porém inseparáveis. A socióloga Elise Boulding propôs que 'gerações futuras' podem ser definidas com base nos "200 anos do presente", que é o período de tempo que se inicia 100 anos no passado e se encerra 100 anos no futuro, a partir de qualquer data do presente.

A Rio 92 adotou vários tratados ambientais de cunho jurídico, particularmente a Convenção Marco da ONU sobre Mudança Climática (UNFCC) e a Convenção sobre Diversidade Biológica de 1992.  

A reunião destacou a justiça intergeracional ou equidade como um princípio fundamental de todas as preocupações ambientais e do desenvolvimento. Isso foi aceito por todas as nações participantes. Reconheceu-se que os direitos de gerações futuras têm de ser respeitados enquanto se busca atender as necessidades das gerações do presente. Esses reconhecimentos foram trazidos ao campo das políticas e leis pelas nações anuentes.

Reuniões subsequentes, como as de Johanesburgo em 2002 e Copenhague em 2009 não inspiraram muita confiança entre as pessoas do mundo todo. A conferência mais recente, em Cancún, até arriscou negar os possíveis ganhos remanescentes dos acordos do protocolo de Kyoto.

É urgente a conquista de uma relação sustentável entre a natureza e os seres humanos para o benefício de gerações futuras, incluindo crianças. Conforme enfatizado pelo Secretário Geral da conferência Rio+20, Sha Lukang, duas décadas não fizeram que o mundo estivesse mais próximo da erradicação da pobreza; pelo contrário, o mundo mergulhou na crise ambiental e na mudança climática. E será essa pobreza ambiental que as gerações futuras irão herdar.

A Conferência Rio 2012 deve reiterar a convicção de que o desenvolvimento sustentável baseado no crescimento equitativo, econômico e social e na preservação ambiental se opõe ao desenvolvimento baseado puramente no crescimento econômico. Muitas vezes se alegou que a Rio 92 foi totalmente voltada a apresentar as questões de sustentabilidade à sociedade civil e ao setor corporativo. A Rio 2012 deve agora fazer com que os governos tomem medidas. O desenvolvimento sustentável, incluindo os direitos de gerações futuras, só pode ser conquistado por meio da governança global transparente e não através de um regime de mercado livre. 

A riqueza de conhecimento e experiências que surgiu desde a Convenção da ONU sobre os Direitos da Criança (UNCRC) precisa ser compreendida no contexto dos direitos da criança. O fenômeno amplamente discutido do aquecimento global antropogênico e mudança climática, agravado pela perda da biodiversidade, ameaçam o planeta Terra em um nível sem precedentes, e irá afetar as gerações futuras, incluindo as crianças de hoje e aquelas que ainda estão por nascer. Isso exige instrumentos globais que sejam legalmente implementados e dedicados a defender os direitos ecológicos de gerações atuais e futuras, incluindo uma campanha para reconhecimento dos direitos ecológicos de crianças e muitas outras iniciativas. 

Qualquer outra medida a ser tomada deve ser acompanhada de instrumentos com valor legal. Temos de permitir o futuro, conforme afirmado por Antoine de Saint-Exupéry: "Sua tarefa não é de prever o futuro, mas sim de o permitir."[2] Isso só pode ser conquistado através da criação dos mecanismos adequados e, nesse caso, a proposta do Conselho Mundial para o Futuro de nomear "uma representação legal ou um Guardião" é interessante.[3] Alguns países já possuem esse tipo de instituição. A definição de um Ombudsperson internacional ou a organização desse tipo de esforço nacionalmente pode ser uma realização concreta da conferência Rio 2012 na sua jornada pela sustentabilidade e concretização do futuro, o que resulta na garantia da justiça intergeracional.

[1]J. Tobin, “O que é Receita do Patrimônio Permanente?” American Economic Review 64, (Maio 1974).

[2] Antoine de Saint-Exupéry, Citadelle (The Wisdom of the Sands), (Paris: 1948).

[3]Citado no Conselho Mundial para o Futuro, Protegendo nosso futuro: Como incluir as gerações futuras na definição de políticas, <www.worldfuturecouncil.org/fileadmin/user_upload/PDF/brochure_guardian3.pdf>.

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MEDINDO O PROGRESSO

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Índice de Capacidades Básicas 2011 (pdf)

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Índice de Igualdade de Gêneros 2012 (pdf)

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MOÇAMBIQUE - versão resumida (pdf)

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Moradia, terra e desenvolvimento sustentável

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O conceito de justiça ambiental é útil para integrar os princípios de igualdade, justiça social e meio ambiente sob o marco do desenvolvimento sustentável. A justiça ambiental foi definida como o direito ao desenvolvimento seguro, saudável, produtivo e sustentável para todos, no qual o “meio ambiente” é plenamente considerado, incluindo as condições ecológicas (biológicas), físicas (naturais e criadas pelo trabalho humano), sociais, políticas, estéticas e econômicas.

Miloon Kothari e Shivani Chaudhry[1]

O conceito de justiça ambiental é útil para integrar os princípios de igualdade, justiça social e meio ambiente sob o marco do desenvolvimento sustentável. A justiça ambiental foi definida como o direito ao desenvolvimento seguro, saudável, produtivo e sustentável para todos, no qual o “meio ambiente” é plenamente considerado, incluindo as condições ecológicas (biológicas), físicas (naturais e criadas pelo trabalho humano), sociais, políticas, estéticas e econômicas.

O UN Habitat relatou que a população de moradores de favelas continua a crescer a uma taxa de aproximadamente 10% todos os anos. Na pior das hipóteses, o número de pessoas que moram em favelas irá subir de 1 bilhão em 2005 para 1,6 bilhões em 2020. De acordo com a Organização Mundial da Saúde, 884 milhões de pessoas no mundo não têm acesso a uma fonte de suprimento de água moderna, e em torno de 2,6 bilhões de pessoas não têm acesso a um sistema sanitário moderno (mais de 35% da população mundial). Em 2006, 7 dentre 10 pessoas sem acesso a um sistema sanitário moderno eram habitantes de zonas rurais.[2] Estima-se que cerca de um quarto da população do planeta não possui terra, incluindo os 200 milhões de habitantes de áreas rurais, e que aproximadamente 5% da população do mundo vive em condições de pobreza extrema.[3]

Essa situação grave apresenta riscos significativos para a vida e a saúde de uma grande maioria de pessoas, e também impacta uma série de direitos humanos, incluindo o direito a uma qualidade de vida adequada e o direito a um meio ambiente saudável. As políticas de globalização, incluindo os acordos de comércio e investimento, afetaram adversamente a população pobre de zonas rurais, especialmente as mulheres e os povos indígenas.

Os direitos à moradia e à terra estão integralmente associados aos direitos humanos à saúde, alimento, água, trabalho/subsistência, desenvolvimento e meio ambiente. O acesso a alimentos nutritivos e apropriados, à água limpa e potável, à subsistência segura e aos mais altos padrões de assistência à saúde constituem elementos críticos da promoção do desenvolvimento sustentável e da manutenção da saúde e do bem estar de pessoas e do planeta.
A participação relevante em decisões que afetam a vida de pessoas é um direito humano bem como um meio de garantir o benefício de outros direitos humanos, incluindo o direito à moradia adequada. Negar o direito à participação causa efeitos adversos sobre o direito à moradia adequada. Quando a participação nos projetos, planos e políticas habitacionais é garantida, as moradias fornecidas têm uma probabilidade maior de atender os critérios de adequação e sustentabilidade. A maior parte de violações dos direitos humanos ocorre porque as pessoas não são consultadas sobre decisões que afetam diretamente suas vidas e sua subsistência. A participação relevante exige que o processo de consulta seja ininterrupto.  
Dada a interdependência mútua de todos os direitos humanos, a falta atual em garantir os direitos à moradia adequada e à terra resultou em um ciclo de privação que impediu que vários direitos humanos correlatos fossem desfrutados, incluindo o direito à alimentação, água e saúde, que estão fundamentalmente ligados.

Em função da ineficiência contínua dos atores Estatais e não-Estatais em respeitar, promover e cumprir os direitos humanos à moradia adequada e à terra, há a necessidade urgente de se repensar “as práticas costumeiras” e traçar um novo caminho para o futuro. Nós propomos o desenvolvimento e a implantação de duas abordagens – o direito à cidade e o direito à terra e aos recursos naturais – como bases conceituais para a articulação da indivisibilidade dos direitos humanos e a promoção dos direitos humanos à moradia adequada, à terra e ao desenvolvimento sustentável.

O desenvolvimento e a articulação renovada do “direito à cidade” representam uma oportunidade para uma solução durável, que utiliza uma abordagem holística e sustentável para concretizar tanto os direitos humanos como os ambientais. 

O movimento pelo direito à cidade foi lançado por grupos sociais e organizações da sociedade civil em uma tentativa de garantir um acesso melhor às oportunidades para todos aqueles que vivem em cidades, especialmente em áreas mais marginalizadas e carentes.  

O direito à cidade constitui o “usufruto igualitário das cidades de acordo com os princípios de sustentabilidade, democracia, igualdade e justiça social. Trata-se do direito coletivo de habitantes de cidades, especialmente dos grupos marginalizados e vulneráveis, que lhes confere a legitimidade de ação e organização, com base em seus usos e costumes, com o objetivo de alcançar o pleno exercício do direito de livre autodeterminação e de uma qualidade de vida adequada.” [4] Deve ser definido como o direito a um espaço político, social, cultural e espiritual de inclusão, sensível às questões de gênero, que deve incluir o sólido comprometimento com a redução da pobreza.  Isso engloba a eliminação de dispositivos discriminatórios em leis e políticas que afetam negativamente os pobres e os economicamente mais fracos. Incentivos financeiros, subsídios, crédito, terra e moradia prioritária devem ser concedidos aos sem-teto, sem-terra e àqueles que vivem em condições inadequadas.

O reconhecimento e a proteção legais do direito humano à terra e a outros recursos naturais são críticos para a promoção do desenvolvimento sustentável e da justiça ambiental. O direito à terra precisa ser defendido para garantir a igualdade de propriedade da terra assim como do uso da terra e espaços públicos. Isso inclui o direito de propriedade e gestão coletiva da terra, bens e outros recursos naturais, como florestas e massas de água. O reconhecimento legal de direitos de propriedade vinculados à comunidade é importante para garantir o uso e a gestão sustentáveis dos recursos naturais bem como para proteger o direito a uma qualidade de vida adequada.  

As leis e políticas sobre a terra devem definir o “interesse/bem público” para impedir a tomada de terras com finalidades não democráticas e deve revogar o princípio de desapropriação (domínio eminente), uma vez que ele é utilizado ampla e equivocadamente por nações. 

[1] Miloon Kothari é o antigo Relator da ONU para moradia adequada, Conselho de Direitos Humanos da ONU; Shivani Chaudhry é Diretor da Rede de Direitos à Terra e à Moradia, Índia.

[2] A. Prüss-Üstün et al., Safer Water, Better Health: Costs, benefits and sustainability of intervention to protect and promote health, WHO, (Genebra: 2008).

[3] UN-Habitat e Rede Global de Ferramentas de Acesso à Terra, Secure Land Rights for All, (2008), <www.unhabitat.org/content.asp?cid=5698&catid=503&typeid=24&subMenuId=0>.

[4] “Carta Mundial sobre o Direito à Cidade,” <www.globalgovernancewatch.org/resources/world-charter-on-the-right-to-the-city>.

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Mudança de paradigmas: a única saída

RAPPORT ANNUEL : 
Yes
Summary: 
A dificuldade em alcançar as metas de desenvolvimento e bem-estar humano reside no fracasso do paradigma econômico prevalente, que nos coloca a questão de mudar o capitalismo interna ou externamente. Nossa resposta é internamente. A debilidade dos princípios que sustentam o modelo neoliberal foi comprovada pelas repetidas crises econômicas. Contudo, esses princípios continuam a ser impostos como a única forma para alcançar o desenvolvimento.

Universidade Autônoma do México (UNAM)
Civil Society Reflection Group on Global Development
Alejandro Chanona

A dificuldade em alcançar as metas de desenvolvimento e bem-estar humano reside no fracasso do paradigma econômico prevalente, que nos coloca a questão de mudar o capitalismo interna ou externamente. Nossa resposta é internamente. A debilidade dos princípios que sustentam o modelo neoliberal foi comprovada pelas repetidas crises econômicas. Contudo, esses princípios continuam a ser impostos como a única forma para alcançar o desenvolvimento.

Com a publicação da Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (a Comissão Brundtland) em 1987, o termo “desenvolvimento sustentável” tornou-se um ponto de referência para a comunidade internacional. Com a Conferência das Nações Unidas sobre Ambiente Humano e o Relatório de 1972 realizada pela Comissão sobre Questões de Desenvolvimento Internacional (Comissão Brandt) assim como as precedentes, a Comissão Brundtland definiu desenvolvimento sustentável como: “o desenvolvimento que possa atender [as] necessidades da geração presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras de atender as suas.”

O conceito de sustentabilidade explora a relação entre desenvolvimento econômico, qualidade ambiental e igualdade social. Inclui uma perspectiva de longo-prazo e uma abordagem inclusiva a ação, que reconheça a necessidade de todas as pessoas estarem envolvidas nesse processo.

Contudo, o balanço do avanço desse paradigma apresenta uma enorme lacuna entre o discurso e as ações. Uma revisão dos documentos resultantes das diferentes Cúpulas da ONU sobre desenvolvimento demonstram que desde a Rio-92, o discurso em favor do desenvolvimento sustentável se manteve, acompanhado por noções como desenvolvimento humano e segurança humana.

Isso não significa que a noção foi fortalecida ou que é uma prioridade nas agendas internacionais. Muito pelo contrário: a promoção desse paradigma sofreu vários altos e baixos devido a fatores que vão das diferenças de opinião do Norte e do Sul sobre prioridades e finanças, ou a redução das metas a “um mínimo aceitável para todos”, à primazia da agenda tradicional de segurança desde os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001 em Washington e Nova York.

Os países desenvolvidos omitiram a noção de “sustentável” em favor da economia expansionista e da manutenção do padrão de consumo excessivo de suas populações. Enquanto isso, nos países em desenvolvimento, proteger o meio ambiente também não tem sido necessariamente uma prioridade, já que a lógica de primeiro buscar o crescimento e só depois o desenvolvimento, impera. Contudo, apesar do fato de que no marco das Nações Unidas os estados tenham se declarado a favor do desenvolvimento sustentável, não existe vontade política para conduzir um programa abrangente que tornasse possível a implementação em todo o planeta.

Essas circunstâncias devem ser entendidas no marco do sistema internacional que adotaram os postulados neoliberais como paradigma para o desenvolvimento. De acordo com essa visão, a democracia eleitoral e o livre mercado trariam consigo o tão sonhado estado de bem-estar social, e por essa razão, os estados deveriam limitar suas funções a deixar que as forças do mercado atuassem.  Esse modelo exibiu suas limitações bem cedo com as repetidas crises e o aumento das lacunas sociais que levaram a globalização a uma verdadeira crise de ética.

A falta de ética na economia internacional, em particular nos mercados financeiros, é também alimentada pela ausência de normas e regulamentações, o que por sua vez alimenta a especulação.  O modelo neoliberal favorece a busca pelo lucro fácil de curto prazo, uma situação que é também a raiz das diversas crises econômicas, da distribuição desigual de riqueza, e do aumento no número de pessoas vivendo na extrema pobreza.

O modelo sócio-econômico prevalente no mundo de hoje estreitou sua visão de desenvolvimento humano, que sem dúvida era mais rica quando foram lançados o Relatório Brundtland e as metas da Cúpula da Terra. Hoje, ela encolhe para um mínimo que é mais próximo a uma desculpa moral do que a uma vontade real de resolver os problemas.

Assim, os avanços da agenda do desenvolvimento sustentável têm sido graduais e limitados. Dependem diretamente da vontade política dos estados, não só para chegar a acordos quanto aos objetivos, recursos e cronogramas, mas também para sua implementação, avaliação e acompanhamento.  Os países desenvolvidos apostam em metas e objetivos mínimos, e ao mesmo tempo evitam estabelecer metas e compromissos específicos mais ambiciosos e inclusivos.

O crescimento econômico e a estabilidade monetária per se não são equivalentes a menos pobreza. Enquanto os problemas estruturais da distribuição desigual da renda e da riqueza não forem resolvidos, será muito difícil avançar na luta contra a fome e pela redução da pobreza, diminuindo a capacidade de alcançar as Metas de Desenvolvimento do Milênio, ou quaisquer outras metas nesse sentido.  É importante salientar também que um aumento na AOD (Assistência Oficial ao Desenvolvimento) é imprescindível; se o que realmente se quer é reduzir as desigualdades atuais, são necessários indicadores mais precisos para avaliar a pobreza no mundo.  O problema é que todo o sistema de monitoramento e indicadores é parte do atual paradigma de crescimento econômico e seguem o mesmo discurso.

A comunidade liberal da qual o mundo de hoje é parte, e sua visão de economia mundial, tem gerado uma narrativa na qual os indivíduos interpretam seu entorno e atribuem significado às suas condições de vida particular e social. Por isso é tão importante mudar essa narrativa, para permitir que os líderes mundiais, chefes de estado ou governo, reformulem sua interpretação da realidade e consequentemente a maneira como definem e avaliam as políticas públicas.

Por isso uma mudança de paradigma deve ser acompanhada por um marco discursivo-conceitual renovado, assim como novos indicadores para medir o bem-estar social. Qualquer medida de avanço em desenvolvimento e bem-estar social tem que ir além da metodologia limitada à visão econômico-monetarista que reduz um fenômeno complexo e multidimensional como a pobreza a um constructo conceitual estreitado a partir do qual são derivados indicadores mínimos. Por essa razão, a discussão sobre a definição de novas metas de desenvolvimento deve continuar, para que possam ir além das categorias de crescimento econômico. É necessário um novo conjunto de indicadores de pobreza e de outros parâmetros que possam significar uma profunda redefinição na sociedade internacional, no Estado, e na própria humanidade.

A atual crise do sistema internacional como um todo abre a possibilidade de repensar a relação entre estado e mercado, e o paradigma neoliberal que prevalece há várias décadas. Como apontou o Relatório Brundtland, “Desenvolvimento sustentável, em última instância deve residir na vontade política dos governos quando decisões econômicas, sociais e ambientais críticas tiverem que ser feitas.”

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Os indignados estão fazendo as perguntas certas sobre o futuro da europa

RAPPORT ANNUEL : 
Yes

Mirjam van Reisen
Universidade de Tilburg
Simon Stocker e Georgina Carr
Eurostep

Em outubro de 2011 os indignados de Madri foram a Bruxelas para compartilhar suas preocupações e abordar questões sérias. Uniram-se a eles pessoas de outros países europeus que também foram inspiradas pelo livro de Stéphane Hessel’s, Indignai-vos! (Indignez-vous! título original em francês). Hessel, um homem de 93 anos que fez parte da resistência durante a II Guerra Mundial, faz um apelo a seus leitores para que defendam os valores da democracia moderna e rejeitem o poder “egoísta” do dinheiro e dos mercados.[1] Esses valores estão incorporados na constituição das Nações Unidas como uma forma de mediar conflitos, na proclamação da Declaração Universal dos Direitos Humanos e no estabelecimento da União Européia.

Os indignados vieram questionar o que a Europa tem a lhes oferecer. Com um a cada dois jovens espanhóis desempregados, era natural que buscassem respostas. O Presidente da Comissão Européia José Manuel Barosso reconheceu que enfrentava uma época especialmente difícil em seu discurso do Estado da União de 2011 para o Parlamento Europeu, afirmando: “Hoje, estamos nos deparando com o maior desafio que a nossa União já testemunhou, em minha opinião, em sua história.”[2] Ele alertou que países poderiam deixar de fazer parte da União Européia e que haveria um movimento reverso na direção do nacionalismo. Duas semanas antes, o Ministro da Fazenda polonês havia alertado o Parlamento que um colapso da eurozona levaria provavelmente à ruptura da União e à perspectiva real de guerra na Europa dentro de 10 anos.[3]

Os indignados estão certos em questionar se nossos líderes estão fazendo as perguntas corretas ou se estão fazendo perguntas da maneira correta.  

 

Atualmente, a Europa está restrita a dois discursos primariamente conservadores. Um deles se origina da ansiedade dos cidadãos e líderes nacionais, que consideram que a UE não mais os beneficia e desejam retornar à primazia de uma estrutura primária de identidade e políticas nacionais. O segundo deles, liderado por um setor corporativo que necessita desesperadamente de uma EU que possa competir a nível global, baseia-se no medo das conseqüências devastadoras que um colapso poderia trazer.  

O que falta em ambos os discursos é o conceito de uma União Européia que beneficia seus cidadãos e contribui para um melhor entendimento entre os países da região e para a paz e prosperidade de todos. Ao mesmo tempo em que a EU baseou-se em uma abordagem que integrava as dimensões econômicas e sociais, a dimensão social já não faz parte do discurso dominado pelo “interesse próprio,” pelas “necessidades” da Europa e pelo “poder competitivo” da Europa. A ênfase no lucro a curto prazo em vez da sustentabilidade econômica a longo prazo representa uma traição ao coração e à alma da Europa, e também coloca em risco o objetivo de uma política econômica que pode ser sustentável e beneficiar todos.

O desenvolvimento econômico da Europa cada vez mais vem sendo impulsionado pelo consumo e depleção de recursos globais,[4] resultando em geração de riqueza para a região, acompanhada, entretanto, de degradação ambiental interna e externamente à região. Boa parte desse desenvolvimento contou com a aquisição de recursos em outros países e baseou-se em ações de interesse próprio na arena dos negócios e comércio.  A Estratégia de Lisboa foi adotada em 2000 com o objetivo declarado de tornar a União Européia “a economia baseada em conhecimento mais dinâmica e competitiva do mundo, capaz de promover o crescimento econômico sustentável com mais e melhores empregos e maior coesão social” até o final da década.[5] A Estratégia visava expandir o crescimento econômico por meio de políticas avançadas para a sociedade da informação, reforma estrutural para promover a competitividade e inovação e investimentos adicionais em pesquisa e desenvolvimento. A modernização do modelo social europeu, o investimento em pessoas e o combate à exclusão social também constituíam metas definidas.  

Entretanto, no final da década o crescimento econômico havia declinado ainda mais, e ainda que as taxas de emprego estivessem ligeiramente acima dos níveis inicialmente registrados, estavam bem longe da meta geral de 70% de pessoas empregadas.  Em termos gerais, foi amplamente reconhecido que a estratégia havia falhado. A crise financeira global de 2008 foi um fator que contribuiu para o insucesso, porém, mesmo antes do colapso financeiro, estava claro que a Estratégia de Lisboa não iria cumprir sua ambição de tornar a União Européia a economia baseada em conhecimento mais competitiva do mundo.  

[1] J. Lichfield, “O pequeno livro vermelho que varreu a França,” The Independent, 3 de janeiro de 2011. Disponível em: <www.independent.co.uk/news/world/europe/the-little-red-book-that-swept-france-2174676.html>.

[2] J. M. Barosso, Presidente da Comissão Européia, “Discurso do Estado da União de 2011,” 28 de setembro de 2011. Disponível em: <ec.europa.eu/commission_2010-2014/president/state-union-2011/index_en.htm>.

[3] L. Phillips, “Polônia alerta para o perigo de guerra em 10 anos enquanto os líderes da EU se desdobram para conter o pânico,” 14 de setembro de 2011. Disponível em: <euobserver.com/18/113625>.

[4] O WWF afirmou que a UE e outras regiões de alta renda estão usando cinco vezes a quantidade de recursos naturais utilizada por países de baixa renda (“Contribuição do WWF para a consulta pública sobre a posição da UE para a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável em 2012 ,” Abril de 2011).

[5] ESIB – Sindicatos Nacionais de Estudantes da Europa, “The Lisbon Agenda: An Introduction,” Bruxelas, 2006. Disponível em: <www.esib.org/documents/publications/official_publications/lisbonhandbook.pdf>.

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Panorama geral do Relatório Social Watch 2012: O direito a um futuro

RAPPORT ANNUEL : 
Yes

Roberto Bissio

A Assembléia Geral das Nações Unidas encomendou uma conferência de cúpula que será celebrada em junho de 2012, no Rio de Janeiro, Brasil, a cidade que acolheu há vinte anos a histórica Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento. Conhecida popularmente como a Cúpula da Terra, a conferência do Rio de 1992 respaldou a noção de desenvolvimento sustentável e aprovou as convenções internacionais sobre a mudança climática, a desertificação e a biodiversidade.

A Comissão Brundtland(*) definiu naquele momento o “desenvolvimento sustentável” como “um conjunto de políticas que satisfazem as necessidades do presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras de satisfazer suas próprias necessidades”. Tem sido entendido comumente como determinante dos requisitos da esfera social (mediante a erradicação da pobreza) permitindo, ao mesmo tempo, que a economia cresça respeitando o meio ambiente.

A cúpula do Rio de 1992 não ofereceu uma definição do que são exatamente as “necessidades do presente”, mas na série de conferências da ONU dos anos noventa foram definidos vários compromissos sociais, entre os quais o de erradicar a pobreza e alcançar a igualdade de gênero, e foram identificados vários indicadores e objetivos. Cada país deveria decidir sobre as políticas para atingir esses objetivos e metas acordados universalmente. No entanto, após o colapso do Pacto de Varsóvia e a desintegração da União Soviética, parece haver um consenso generalizado de que o caminho a seguir era o do livre comércio e da liberalização econômica.

Desse modo, a Organização Mundial do Comercio, criada em 1995, anuncia em seu portal na Web que "a abertura dos mercados nacionais ao comercio internacional (...) alentará e contribuirá para o desenvolvimento sustentável, aumentará o bem-estar das pessoas, reduzirá a pobreza e fomentará a paz e a estabilidade". Do mesmo modo, o primeiro artigo do Convênio Constitutivo do Banco Mundial, emendado em 1989, estabelece como objetivo "promover o crescimento equilibrado e de longo alcance do comércio internacional, bem como a manutenção do equilíbrio das balanças de pagamento, estimulando investimentos internacionais para fins de desenvolvimento dos recursos produtivos dos membros, ajudando assim a aumentar a produtividade, elevar o nível de vida e melhorar as condições de trabalho em seus territórios".

Estas duas poderosas organizações internacionais deram forma às políticas econômicas dos países em desenvolvimento nas últimas duas décadas, através de suas resoluções sobre o comércio e as condições impostas às economias endividadas. Ambas estão de acordo em afirmar claramente que o crescimento comercial e o econômico constituem os objetivos principais de suas políticas e as contribuições mais importantes ao desenvolvimento sustentável de seus países membros.

E tiveram êxito: o total das exportações no mundo multiplicou-se quase cinco vezes em vinte anos, passando de um valor total de 781 bilhões de dólares americanos em 1990 a 3.7 trilhões de dólares em 2010. No mesmo período, o habitante médio do mundo mais que duplicou sua renda de 4.079 dólares americanos por ano em 1990 a 9.116 dólares em 2010.

O déficit da dignidade

Estes indicadores aludem a uma abundância de recursos mais que suficientes para garantir as necessidades essenciais dos sete bilhões de habitantes do mundo. E, no entanto, muitos deles padecem fome.

Para monitorar as privações, Social Watch desenvolveu um Índice de Capacidades Básicas (BCI), que é uma média da mortalidade infantil, nascimentos atendidos por pessoal especializado e educação fundamental. Estes três indicadores são muito básicos e deveriam atingir cem por cento, isto é, nenhuma criança deveria estar fora da escola, nenhuma mulher deveria dar à luz sem assistência e nenhuma criança nascida viva, ou menos de um por cento delas, deveria morrer antes de completar cinco anos, uma vez que as principais causas dessas mortes evitáveis são a desnutrição e a pobreza. Todos os indicadores calculados no BCI formam parte dos objetivos acordados no nível internacional e refletem aquilo que um piso social mínimo deve alcançar. Abaixo disso há um déficit de dignidade.

Mas o mundo está longe de atingir esses objetivos básicos. O BCI subiu apenas sete pontos entre 1990 e 2010, o que é um avanço muito pequeno. Na realidade, esse avanço foi de pouco mais de quatro pontos percentuais entre 2000 e 2010. É a tendência oposta ás linhas para o comércio e a renda, que cresceram mais rápido depois do ano 2000 que na década anterior. É surpreendente que os indicadores sociais tenham avançado mais lentamente depois da mudança de século, apesar dos excelentes resultados da economia e do compromisso internacional de acelerar o progresso social e atingir os ODM.

A razão óbvia dessa divergência de tendências entre os indicadores econômicos e sociais é o crescimento desigual dentro de cada país e entre os países. E os indicadores sociais só podem piorar, pois o impacto da crise financeira global que começou em Wall Street em 2008 ainda não está registrado nas estatísticas comparáveis no nível internacional. Os números básicos demonstram que a prosperidade não “goteja”. Costumava ser de sentido comum que uma economia em crescimento beneficiaria os pobres, que a maré crescente levantaria todos os barcos, grandes ou pequenos, ou que o bolo tivesse que crescer primeiro antes de ser repartido, mas os indicadores de progresso social parecem mostrar o contrário.

Crescimento a qualquer custo

O crescimento da economia é uma prioridade para todos os governos. Alguns o definem como um primeiro objetivo político porque foi muito lento ou inclusive reverteu-se durante a crise financeira global que começou em 2008. A desigualdade é a razão pela qual, contra qualquer teoria e modelo, a pobreza não está diminuindo, ou o está fazendo de maneira muito lenta, inclusive em países onde a economia está crescendo rapidamente. Ao dar às empresas mais direitos sem as obrigações correspondentes, a globalização exacerbou as desigualdades entre as nações e dentro delas. Tanto nos países ricos como nos pobres, apenas uma pequena minoria beneficiou-se do excelente resultado econômico mundial até a crise financeira de 2008. E depois, aos que não se beneficiaram, foi pedido que pagassem para resgatar um sistema bancário nos países mais ricos do mundo que havia se tornando “grande demais para fracassar”.

O crescimento econômico requer energia, e a energia está no coração de muitos dos problemas denunciados pelas coalizões dos países da Social Watch nesse informe. A extração de petróleo é identificada facilmente com a poluição, mas fontes de energia supostamente “mais limpas”, tais como represas hidroelétricas, aparecem como problemáticas em vários depoimentos.    

Os biocombustíveis, frequentemente etiquetados como "ecológicos", são uma causa importante de perturbação do meio ambiente na Colômbia, onde o apoio governamental à monocultura agroindustrial (que proporciona os insumos para os biocombustíveis) está causando o deslocamento de populações inteiras de pequenos agricultores. E se fosse pouco, isso nem sequer é resultado da demanda interna, mas sim das necessidades dos Estados Unidos, subsidiado por empréstimos de bancos multilaterais de desenvolvimento. A desertificação aparece uma ou outra vez nos informes como um problema importante, especialmente na África. A mudança climática também é a causa do desastre oposto, catastróficas inundações que assolaram a América Central em 2011 e o Benin em 2008 e 2010, onde as lavouras foram destruídas e se registraram casos de cólera, meningite e febre amarela.

Direitos na base

Quando os direitos civis e políticos básicos não estão presentes, a sociedade civil é incapaz de organizar-se pacificamente, as pessoas não podem fazer com que sua voz seja ouvida e a qualidade das políticas é afetada. Na Eritréia, “o inferno da África”, e na Birmânia, afirma-se claramente a necessidade de um governo democrático como requisito prévio, do mesmo modo que a Palestina expressa que não há desenvolvimento possível sob a ocupação estrangeira, ou que o Iêmen adverte dramaticamente que “pouco se pode avançar para o desenvolvimento sustentável porque o país está à beira da guerra civil e enfrenta uma fome generalizada e uma catástrofe social”.

No entanto, a sociedade civil mostra uma assombrosa capacidade de recuperação e desenvolve una grande criatividade sempre que tem a mínima oportunidade. No Iraque, as manifestações que sacudiram o país em fevereiro de 2011 exigindo a eliminação da pobreza, do desemprego e da corrupção, ilustram o novo papel que está começando a desempenhar a cidadania iraquiana em uma sociedade onde anteriormente a participação democrática era violentamente reprimida ou silenciada completamente. Embora ainda em meio a um ambiente de insegurança e liberdades civis muito deficientes, as organizações da sociedade civil estão crescendo e desempenhando um papel cada dia maior no desenvolvimento da nação, e estão se unindo à insurgência democrática da "primavera árabe" da região.

No Quênia, após muitos anos de luta por uma soberania e uma cidadania verdadeira, finalmente se conseguiu negociar uma Constituição inovadora em 2010. Seu enfoque nos direitos fundamentais, na participação, na prestação de contas à cidadania, oferece a base para definir o papel do Estado como elemento central para a construção de una economia que cumpra com a promessa de equidade e direitos sociais e econômicos fundamentais. Em termos ambientais, a nova Constituição também é um passo à frente, uma vez que estabelece o direito de todos os quenianos a um meio ambiente limpo e saudável.

Na Bolívia e no Equador, os processos de reforma constitucional, respaldados também por grandes maiorias, reforçaram os direitos dos povos indígenas e em lugar de utilizar a frase “desenvolvimento sustentável” inspiraram-se em suas culturas para estabelecer, constitucionalmente, os direitos da Pachamama (Mãe Terra).

Na Itália, mesmo que o desenvolvimento sustentável nunca tenha sido parte das prioridades do Governo de Berlusconi, quatro exitosos referendos promovidos pela sociedade civil (contra a energia nuclear, a privatização forçada da água e outros serviços públicos e contra a exoneração do Primeiro Ministro da norma jurídica) levaram quase 27 milhões de italianos às urnas e conseguiram encaminhar o país para a direção correta. As lutas ambientais, recorda o informe da Bulgária, foram muito importantes na luta do país pela democracia. Agora, depois de anos de crescente apatia, cada vez mais pessoas estão se envolvendo em assuntos ambientais. A introdução de Organismos Geneticamente Modificados (OGM) no mercado e várias falhas na implementação do programa NATURA 2000 para a conservação de áreas naturais converteram-se em dois grandes temas no debate político e na mobilização cidadã.

Desenvolvimento sustentável: metas ou direitos?

Mediante o monitoramento dos esforços de luta contra a pobreza e as estratégias de desenvolvimento no nível nacional e internacional, Social Watch encontrou que os indicadores econômicos e os indicadores de bem-estar social não estão correlacionados. Portanto, há que revisar de forma urgente as estratégias econômicas para alcançar os objetivos acordados internacionalmente e que o usufruto dos direitos humanos seja uma realidade para todos.

Na Cúpula da Terra, os líderes do mundo afirmaram que “a principal causa da deterioração contínua do meio ambiente mundial é o padrão insustentável de consumo e produção, particularmente nos países industrializados (...) o que agrava a pobreza e os desequilíbrios". Isso é tão verdade hoje como o foi em 1992.

Atuando sozinho, nenhum estado pode prover os bens públicos do mundo, e isso inclui a preservação da vida, as funções de apoio à atmosfera e aos oceanos (ameaçados pela mudança climática global) ou a confiabilidade e a estabilidade do sistema financeiro global, indispensável para o comercio e o desenvolvimento, mas ameaçado pela especulação livre de obstáculos, pela volatilidade monetária e pela crise da dívida. O fato de não fornecer esses bens públicos afeta o sustento de bilhões de pessoas em todo o mundo e põe em perigo o bem público que inspirou a criação nas Nações Unidas: a paz mundial.

Além do mais, apesar das recomendações formuladas pela Cúpula da Terra para desenvolver indicadores de desenvolvimento sustentável, e todo o trabalho realizado nessa área deste então, a comunidade internacional ainda carece de indicadores de consenso para medir a sustentabilidade dos bens públicos mundiais sob sua vigilância.

Ecologia e economia
Há duas ciências modernas cujos nomes têm origem na palavra grega oikos (casa). A Ecologia, ciência que estuda as relações que os seres vivos têm entre si e com o meio ambiente onde vivem, estabelece os limites acima dos quais certas atividades podem causar danos irreversíveis. E a economia, ciência que lida com as relações entre os recursos finitos e os desejos humanos infinitos. Em 1932 Lionel Robbins definiu a economia como “a ciência que estuda as formas de comportamento humano  resultantes da relação entre fins e meios escassos que têm usos alternativos.”
A novidade não é a noção de limites. A “novidade” – e a urgência – é que as atividades humanas chegaram ao limite global e, portanto, alcançar estratégias consensuadas globalmente é necessário.

O informe da comissão Stiglitz-Sen-Fitoussi(**) sugere claramente que os indicadores de bem-estar e os indicadores de sustentabilidade têm uma natureza diferente, e os compara com o painel de um automóvel, com diferentes indicadores para a velocidade e o combustível restante. Um informa sobre o tempo necessário para chegar a determinado destino e o outro tem a ver com um recurso necessário que está sendo consumido e pode atingir um limite antes de chegar ao destino.

O marco de direitos humanos estabelece objetivos claros para os indicadores de bem-estar. Os direitos à alimentação, à saúde, à educação, impõem o mandato de levar a assistência universal a todas as crianças, a redução da mortalidade infantil a menos de 10 mil por nascidos vivos (já que a mortalidade acima dessa cifra está relacionada com a desnutrição e a pobreza), a assistência universal a todos os partos por pessoal especializado, o acesso universal à água potável e ao saneamento, e inclusive o acesso universal aos serviços telefônicos e de Internet.(***)

O exercício desses direitos é uma responsabilidade dos governos “de forma individual e mediante a assistência e a cooperação internacionais, especialmente econômica e técnica, até o máximo de recursos disponíveis”, segundo o Pacto Internacional dos DESC. A priorização de recursos também se aplica à ajuda internacional. Para monitorar o uso efetivo dos máximos recursos disponíveis (inclusive os de cooperação internacional), deve ser reforçado o Exame Periódico Universal do Conselho de Direitos Humanos. Além disso, o Protocolo Facultativo do Pacto dos DESC deve ser ratificado para permitir à cidadania reclamar seus direitos ante os tribunais, e as agências bilaterais e multilaterais de desenvolvimento têm que se tornar responsáveis de seus efeitos nos direitos humanos.

Por outro lado, os indicadores de sustentabilidade se referem ao esgotamento de determinadas reservas ou ativos não renováveis. Quando eles formam parte de acordos internacionais comuns globais estão obrigados a garantir a sustentabilidade. Ao contrario do bem-estar humano, que pode ser formulado em termos de objetivos, a sustentabilidade deve ser abordada em termos de limites. Os limites podem ser formulados como uma proibição absoluta de certas atividades, como a proibição de caça de baleias ou da emissão de gases que esgotam o ozônio (Protocolo de Montreal), ou podem estabelecer quotas para assegurar o não esgotamento, que podem ser destinadas aos atores econômicos, através dos diferentes mecanismos de mercado e não de mercado, respeitando a equidade e os princípios de solidariedade.

Qualquer formulação de "objetivos de desenvolvimento sustentável” que não inclua objetivos adequados de mudança climática ou não aborde aspectos dos direitos humanos e da sustentabilidade ao mesmo tempo e de uma maneira equilibrada, corre o risco de desbaratar a agenda integral de desenvolvimento sustentável sem nenhum benefício compensatório.

Em lugar de fixar novas metas, o que se necessita é um sistema de monitoramento e prestação de contas que possa fazer com que todos os governos, os de Norte e os do Sul, realmente fiquem sujeitos à revisão de suas obrigações domésticas e, ao mesmo tempo, criem um direito de apoio quando essas obrigações internas se cumpram, mas os recursos disponíveis ainda não sejam suficientes. Ao não cumprir com sua responsabilidade de criar um sistema financeiro global sustentável, os países mais poderosos tampouco estão permitindo aos governos dos países pobres utilizar seus recursos disponíveis adequadamente. Devem ser estabelecidos novos direitos e mecanismos institucionais em relação à sustentabilidade.

Este “direito a um futuro” é a tarefa mais urgente do presente. Trata-se da natureza, sim, mas também se trata de nossos netos e de nossa própria dignidade, das expectativas de 99 por cento dos sete bilhões de homens e mulheres, meninas e meninos do mundo a quem se prometeu a sustentabilidade há duas décadas e que, em seu lugar encontraram que suas esperanças e aspirações se afundam em fichas de apostas de um cassino financeiro global que está fora do seu controle. Os cidadãos e cidadãs de todo o mundo estão exigindo uma mudança, e este informe é só uma forma adicional de fazer ouvir sua voz. A mensagem não poderia ser mais clara: as pessoas têm direito a um futuro e o futuro começa agora.

(*)Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, conhecida pela sua presidenta, a ex-primeira ministra norueguesa Gro Harlem Brundtland http://en.wikipedia.org/wiki/Gro_Harlem_Brundtland  . Publicou o informe intitulado Nosso futuro comum que inspirou as deliberações da Cúpula da Terra.
(**)O informe está disponível em http://www.stiglitz-sen-fitoussi.fr/
(***)Artigo 19 da Declaração Universal dos  Direitos Humanos: Todo individuo tem direito à liberdade de opinião e de expressão; este direito inclui o de não ser molestado por causa de suas opiniões, o de pesquisar e receber informações e opiniões e o de difundi-las, sem limitação de fronteiras, por qualquer meio de expressão.

 

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Rio+20 e muito mais: não há futuro sem justiça

RAPPORT ANNUEL : 
Yes
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Durante os últimos 20 anos, pouco se fez para mudar os padrões de produção e consumo que poluem, destroem a biodiversidade e provocam mudanças climáticas. Simultaneamente, compromissos com os direitos humanos e a justiça de gênero deixaram de ser cumpridos. Estamos enfrentando uma crise ecológica e da sociedade. O Estado é capaz de responder rapidamente a essa crise se agir com responsabilidade e legitimidade democrática. Em tempos onde o crescente inter-relacionamento global prevalece entre sociedades, economias e pessoas, os princípios acordados universalmente constituem uma pré-condição para a convivência justa, pacífica e harmoniosa com a natureza. E neste documento propomos oito princípios como alicerce para um novo marco dos direitos à sustentabilidade.

Civil Society Reflection Group on Global Development[1]

Durante os últimos 20 anos, pouco se fez para mudar os padrões de produção e consumo que poluem, destroem a biodiversidade e provocam mudanças climáticas. Simultaneamente, compromissos com os direitos humanos e a justiça de gênero deixaram de ser cumpridos. Estamos enfrentando uma crise ecológica e da sociedade. O Estado é capaz de responder rapidamente a essa crise se agir com responsabilidade e legitimidade democrática. Em tempos onde o crescente inter-relacionamento global prevalece entre sociedades, economias e pessoas, os princípios acordados universalmente constituem uma pré-condição para a convivência justa, pacífica e harmoniosa com a natureza. E neste documento propomos oito princípios como alicerce para um novo marco dos direitos à sustentabilidade.

O mundo necessita de mudanças profundas.  Vivemos em um mundo caótico; muitas pessoas são arremessadas de um lado para o outro como em uma montanha russa global, ou um grande cassino global que coloca em jogo nossas vidas, nossa segurança, nosso futuro e nosso planeta.

Vivemos em um mundo onde 20% da população mais rica desfruta de mais de 70% da renda total gerada e aqueles que constituem os 20% mais pobres recebem apenas 2% da renda global.  Os ganhos provenientes do crescimento econômico e da globalização foram distribuídos de maneira desigual. Na maior parte dos países, os ricos ficaram ainda mais ricos às custas da classe média e dos grupos de baixa renda. A expansão econômica desenfreada aumentou ainda mais as desigualdades sociais, embora tenha gerado os recursos para financiar o acesso mais igualitário aos serviços públicos essenciais. A persistência da pobreza, do desemprego, da exclusão social e dos altos níveis de desigualdade está ameaçando os sistemas de atendimento, a coesão social e a estabilidade política.

Vivemos em um mundo onde 50% das emissões de carbono são geradas por 13% da população. Padrões de produção e consumo não sustentáveis e em franca expansão estiveram atrelados à rápida depleção de recursos naturais, incluindo água limpa, assim como a distribuição desigual dos prometidos "benefícios" do crescimento econômico e da ampliação do comércio.  Eles causaram o aquecimento global que resulta no aumento do nível do mar, na alta incidência de condições climáticas extremas, na desertificação e no desflorestamento.  No caso da biodiversidade, a perda do patrimônio ambiental é permanente.  Nós excedemos os limites ecológicos e ignoramos as fronteiras do nosso planeta. Com a ameaça da mudança climática, o tempo já se esgotou e estamos vivendo a partir de nossas reservas.  Entretanto, recusamo-nos a reduzir as emissões e a dedicar os recursos já escassos àqueles que ainda não se beneficiaram de sua exploração.

Muitas vezes as políticas nacionais e internacionais não tinham como objetivo reduzir as desigualdades.  A sua orientação a estimular o crescimento econômico forneceu incentivos para exploração da natureza, dependência do uso de combustíveis fósseis e depleção da biodiversidade, afetando adversamente a provisão de serviços essenciais na medida em que os países competiam, buscando reduzir cada vez mais impostos e custos da mão-de-obra como forma de incentivo.

A discriminação persistente aprisiona as mulheres em funções reprodutivas precárias e na violência. As mulheres, especialmente as de baixa renda, ainda sofrem discriminação social, e em muitos locais, são privadas de seus direitos reprodutivo, sexual e sobre seu corpo.  Isso as torna mais vulneráveis à exploração e violência dentro e fora de seus lares. A função de cuidar, que muitas vezes é assumida pelas mulheres nos domicílios, não é reconhecida ou valorizada. As atividades produtivas e de subsistência das mulheres, que envolvem todas as formas de trabalho relacionado ao cuidado com a saúde, muitas vezes não recebem nenhum tipo de proteção ou apoio.  Todos esses fatores se tornam ainda mais difíceis em tempos de crises econômicas e mediante políticas que favorecem o lucro econômico sobre o respaldo social. 

A biodiversidade e a natureza generosa são apreciadas, mas ao mesmo tempo não são respeitadas, protegidas ou valorizadas.  Comunidades e populações que buscam viver em harmonia com a natureza vêem seus direitos ignorados e sua subsistência e cultura ameaçadas.

Por que isso aconteceu? Com certeza, não foi por conta de falta de conscientização ou atenção dos legisladores do alto escalão. O perigo da mudança climática, citado em meados dos anos 80 em uma conferência da Organização Mundial de Meteorologia (OMM), foi destacado em 1987 pelo Relatório Brundtland, que também enfatizava a situação emergencial da perda de biodiversidade.  Essa ênfase foi levada à Conferência do Rio de Janeiro em 1992 (Eco 92), que introduziu convenções marco sobre mudança climática e biodiversidade, bem como sobre desertificação. Os princípios da Declaração do Rio, os Princípios sobre Florestas e um plano de ação, a Agenda 21, também foram adotados.

As conferências globais dos anos 90 deram enfoque em questões ligadas aos direitos humanos e igualdade social e adotaram planos para lidar com as injustiças na arena da exclusão social e discriminação de gênero. Na Declaração do Milênio de 2000, os estados membros se comprometeram a "defender os princípios da dignidade humana, igualdade e eqüidade a nível global", como uma "obrigação para todos os povos do mundo, especialmente os mais vulneráveis, e, em particular, as crianças do mundo, a quem o futuro pertence".

Entretanto, ao longo dos últimos 20 anos, os ideais e princípios da Eco 92 foram ofuscados, uma vez que sua implementação, em grande parte, não ocorreu. Similarmente, uma ampla gama de compromissos de direitos humanos e justiça de gênero não foi cumprida. A produção per capita mundial mais do que dobrou nas últimas duas décadas, porém com disparidades cada vez mais acentuadas. A globalização gerou milhões de empregos de baixa qualidade. A especulação financeira e de commodities reduziu a segurança alimentar e fez com que milhões de hectares de terra deixassem de produzir alimentos e migrassem para aplicações não sustentáveis.  Pouco se fez para mudar os padrões de produção e consumo que poluem, destroem a biodiversidade e levam, inexoravelmente, à mudança climática. Quarenta e cinco países com uma população total de 1,2 bilhões de pessoas conseguiram atingir indicadores sociais que superam a média mundial, com emissões de CO2 a partir de combustíveis fósseis abaixo da média mundial. E nenhum deles é rotulado como um país de "alta renda". Ainda assim, similarmente a outros países de renda média e aos considerados "menos desenvolvidos", eles muitas vezes vêem o espaço que têm para escolher alternativas de políticas domésticas que promovam o desenvolvimento sustentável cada vez mais pressionado por demandas externas, pré-condições e imposições que os obriga a tomar medidas como reduções drásticas em impostos e gastos com serviços sociais. 

As políticas econômicas, em muitas ocasiões, estiveram na contracorrente dos compromissos assumidos na área de direitos e sustentabilidade, uma vez que essas e suas instituições correlatas, nacionais e internacionais, ocupam a cúpula dos domínios de governança.  As políticas dependeram demasiadamente dos mercados para alocar os recursos da sociedade e distribuir riqueza, elegendo exclusivamente o PIB como a medida suprema do bem estar.  O resultado foi uma concentração maior de algumas empresas transnacionais com fatias maiores do mercado, incluindo os setores de alimentos e medicamentos.

Essa opção deliberada por uma política de não-intervenção atingiu seu pico quando a crise, iniciada nos EUA, eclodiu no cenário financeiro global em 2008, intensificando ainda mais as desigualdades, conforme o desemprego e as reduções no nível de renda atingiram os grupos de baixa renda de maneira desproporcional.  Ainda assim, as políticas geradas como resposta, continuaram a pressionar de forma implacável as sociedades e comunidades, apoiando-se nos mesmos agentes do mercado que demonstraram estar errados antes, prestando pouca ou nenhuma atenção aos sistemas ecológicos e humanos já fragilizados e levando as comunidades e sociedades a um ponto de ruptura. 

Apesar das evidências de que políticas contra-cíclicas agiam como amortecedores eficientes e melhoravam a resistência, muitos governos sacrificaram os gastos sociais em favor de um sistema ortodoxo neoliberal e uma dependência mais forte de mercados financeiros.  Os custos da inação e da prática equivocada de se atuar como de costume acabaram acumulando uma montanha de passivos sociais e ecológicos. Os altos níveis de desemprego, especialmente entre os mais jovens, os crescentes preços dos alimentos e a disseminação da injustiça criaram um clima de agitação e tensão política e social em muitos países. Em vários países ao redor do mundo, do Cairo, passando por Manhattan, à Nova Déli, pessoas vão às ruas para expressar sua revolta com a condição atual e sua incapacidade de aceitar que ela continue.  Seus motivos e metas podem diferir de acordo com as circunstâncias peculiares em que vivem – mas suas demandas são parecidas: mais justiça e menor dependência das pressões dos "mercados" e seus fiéis agentes.

Por que a governança deixa tanto a desejar? Os Estados renegaram seus valores democráticos e os governos se tornaram menos responsáveis perante as pessoas. As normas e padrões estão sendo ignorados ou contornados por meio de novas regras que favorecem os mercados. Os riscos estão sendo assumidos por aqueles que não têm a função de assumí-los, enquanto uma nova classificação de "grande-demais-para-falhar" reordenou a distribuição dos recursos públicos. Somos confrontados com uma hierarquia de direitos, sendo que os que protegem os sistemas ecológicos e humanos são relegados aos mais baixos níveis. Pode-se traçar um paralelo entre essa situação e a condição encontrada na governança nas esferas nacional e internacional.  Adicionalmente, a governança global fragmentada não permitiu abordar o macro-cenário e estabeleceu demandas menos relevantes que tratam sintomas e não causas.

Décadas de políticas mal lideradas e o impacto de várias políticas equivocadas inevitavelmente destacaram o papel do Estado e sua importância. Respostas às falhas do sistema financeiro demonstram que o Estado pode agir e o fará rapidamente frente a uma catástrofe iminente envolvendo dinheiro e políticas.   Entretanto, o papel mais forte do Estado deve ser baseado em responsabilidade e legitimidade democrática, além de ser equilibrado pela participação efetiva da sociedade civil.

Estamos vivendo um período de turbulências, enfrentando calamidades ecológicas e da sociedade.  Exigimos que os Estados ajam imediatamente e efetivamente perante a iminência desta catástrofe.

Reconfirmando o fundamento da sustentabilidade: O marco dos princípios e direitos universais

A necessidade de princípios universais. Todo conceito relacionado ao desenvolvimento, bem-estar e progresso das sociedades é baseado em uma série de princípios e valores fundamentais. Esses valores estão profundamente arraigados em nossos sistemas de cultura, ideologia e crença. Estamos convencidos de que existe um conjunto de princípios e valores universais que é compartilhado pela maioria de nós. Os princípios e valores comuns constroem o alicerce de sociedades. Reconhecemos que a diversidade de expressões culturais constitui um valor por si só, que precisa ser protegido e promovido.  Em tempos de globalização, onde o crescente inter-relacionamento global prevalece entre sociedades, economias e pessoas, os princípios acordados universalmente constituem uma pré-condição para a convivência justa, pacífica e harmoniosa com a natureza.

Um conjunto de princípios existentes como uma plataforma comum. Não é necessário inventar esse tipo de valores e princípios. Nas constituições nacionais, assim como em vários tratados, declarações e definições de políticas internacionais das Nações Unidas, os governos chegaram a um acordo a respeito de certos princípios fundamentais, que são essenciais para as sociedades e as relações internacionais. Assim, propomos oito princípios como alicerce para um novo marco dos direitos à sustentabilidade.

Os valores essenciais de liberdade, igualdade, diversidade e respeito pela natureza. Além do conjunto central de princípios universais, há valores fundamentais que também são essenciais às relações internacionais. Os governos se referiram a alguns deles na Declaração do Milênio. Eles incluem, nomeadamente:

Ineficiência em traduzir os princípios em ações. Ao mesmo tempo em que todos os governos concordaram, em geral, com esses princípios, a grande maioria deixou de transformá-los em obrigações e políticas específicas aplicáveis. Se os governos tivessem levado a sério o princípio de solidariedade, a pobreza e a fome poderiam ter sido drasticamente reduzidas; se, de fato, aceitassem o princípio de responsabilidades comuns, porém diferenciadas, a Cúpula do clima de Copenhague não teria tido um desfecho tão desastroso; e se tivessem cumprido o princípio da precaução, as catástrofes nucleares como a de Chernobyl e de Fukushima teriam sido evitadas.

Transformando princípios em direitos. Para assegurar o funcionamento de uma sociedade e criar salvaguardas contra a tirania, valores têm de ser traduzidos em leis, direitos e obrigações com valor jurídico. No nível internacional, o sistema de direitos humanos desempenha um papel fundamental na transformação de valores morais em direitos legais. Com relevância especial, a Carta Internacional dos Direitos Humanos inclui a Declaração Universal dos Direitos Humanos, o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais.  Com importância equivalente, há também a Convenção para Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança. Mais recentemente, esses documentos de cunho essencial foram complementados pela Convenção da Proteção e Promoção da Diversidade de Expressões Culturais (2005) e pela Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas (2007). Em combinação com a Declaração do Direito ao Desenvolvimento e enriquecidos pelo conjunto central de princípios citados acima, esses documentos podem constituir o marco normativo de um conceito holístico de sustentabilidade, bem-estar e progresso da sociedade. 

Reorganizando direitos. Ao mesmo tempo em que as normas do sistema internacional de direitos humanos são geralmente aceitas e ratificadas pela maioria dos países do mundo, ainda existe uma lacuna de implementação gigantesca. E ainda pior: enquanto os Estados e seus departamentos nacionais e internacionais quase sempre deixaram de respeitar, proteger e cumprir os direitos humanos, nas últimas duas décadas, fortaleceram os direitos corporativos bem como os direitos do capital.  Promoveram a livre movimentação de capital, entretanto restringiram a livre movimentação de pessoas; fortaleceram os direitos de investidores transnacionais, porém enfraqueceram os direitos das pessoas afetadas por esses investimentos. Atualmente, as corporações transnacionais podem processar governos em fóruns internacionais por qualquer alteração nas regras, incluindo regulamentações na área da saúde que afetem seus lucros reais ou planejados, mas as pessoas são impedidas de processarem as empresas pela poluição e outras práticas prejudiciais que se lhes impõe. Há uma necessidade premente de reorganizar os direitos, isto é, reivindicar que os direitos humanos sejam a fundação normativa de políticas, e promover o retrocesso dos direitos do capital em relação aos direitos das pessoas.

Preenchendo as lacunas do sistema de direitos. Não existem lacunas apenas na implementação de direitos, elas também estão presentes no próprio sistema internacional de direitos. Certos princípios e valores, como o princípio da justiça intergeracional e o respeito pela natureza não estão explicitamente traduzidos (codificados) em direitos ainda. São necessários debates intensos e pesquisas sobre como incluir os conceitos dos direitos da natureza e da justiça intergeracional no sistema normativo internacional e como colocá-los em prática.

Da teoria à prática: Traduzindo princípios e direitos em estratégias, metas e políticas. Transformar os princípios fundamentais em direitos e obrigações internacionalmente aceitos é apenas o primeiro passo. O seguinte é formular metas e estratégias políticas para implementar esses direitos. Nesse caso, as políticas públicas desempenham um papel crucial. As autoridades públicas legitimizadas democraticamente, especialmente governos e parlamentos, tem a obrigação primordial de implementar uma abordagem baseada em direitos sobre sustentabilidade, bem estar e progresso da sociedade. Eles não devem transferir essa obrigação ao setor privado ou à sociedade civil.

Redirecionando políticas para promover a justiça hoje e no futuro.

Conseqüências da ineficiência em traduzir princípios e direitos em políticas. Em décadas passadas, os governos concordaram formalmente em estabelecer um conjunto quase completo de princípios e direitos humanos, entretanto, deixaram de alinhá-los efetivamente com suas políticas. Ao contrário, as políticas ainda se encontram, em várias instâncias, fragmentadas por setor e orientadas equivocadamente, com uma dependência exacerbada no crescimento econômico e na auto-regulação dos "mercados".  Novos conceitos, como o "crescimento verde" são, na sua melhor concepção, tentativas de se tratar os sintomas dos problemas sem atacar suas causas-raízes.  Portanto, o que se torna necessário são mudanças essenciais em três níveis: na mentalidade, conceitos e indicadores que orientam o desenvolvimento e o progresso; nas políticas fiscais e regulatórias (nas esferas nacional e internacional) para superar efetivamente as desigualdades sociais e a degradação da natureza e para fortalecer as economias sustentáveis; e nas instituições e nos mecanismos de governança (nas esferas nacional e internacional).

Mudando a mentalidade predominante. No mundo todo, a mentalidade de muitos líderes de opinião e tomadores de decisões políticas ainda está voltada para o crescimento econômico e soluções baseadas no mercado, como se fossem a panacéia para todos os problemas ambientais, sociais e econômicos do mundo. Os governos não estão (e tampouco deveriam estar) em uma posição de mudar a mentalidade predominante por meio do comando e controle. Porém, são obrigados a respaldar-se nas lições aprendidas de insucessos do passado e reformular os objetivos gerais de suas políticas e as métricas e conceitos correlatos que os guiam. Ao invés de subordinar suas políticas ao objetivo supremo de maximizar o crescimento do PIB, o lema orientador de suas políticas deveria ser maximizar o bem estar das pessoas, sem comprometer o bem estar de gerações futuras, respeitando os limites do planeta.

Novas métricas para sustentabilidade e progresso da sociedade. Conseqüentemente, os governos deveriam reconhecer a necessidade de novas métricas para sustentabilidade e progresso da sociedade, além do PIB, para direcionar suas políticas. Deveriam ativamente promover a pesquisa e o debate a respeito de métricas alternativas, nas esferas nacional e internacional, com um cronograma específico e ampla participação da sociedade civil. O debate deveria alavancar iniciativas existentes, por exemplo, o relatório da Comissão Stiglitz-Sen-Fitoussi, o MAP - Medindo o Progresso da Austrália e o Índice Nacional Bruto de Felicidade do Butão. Também deveriam levar em conta a revisão atual do Sistema Integrado de Contas Econômicas e Ambientais (SICEA), coordenado pela Divisão de Estatística da Secretaria das Nações Unidas.

Metas do desenvolvimento sustentável. A Rio 92 exigia trabalhos complementares para a definição de indicadores do desenvolvimento sustentável, que seria a base tanto para a determinação do conceito como para estabelecer metas internacionais comuns.  Duas décadas mais tarde, metas adicionais de progresso tinham de ser atingidas. Vínculos com o marco dos direitos humanos têm que ser traçados, estabelecendo metas claras, por exemplo, os direitos à alimentação, saúde e educação. Dessa forma, o debate não deveria abordar essas metas, uma vez que já foram acordadas, deveria indagar o "quando" e a "quantidade máxima de recursos disponíveis" (incluindo os provenientes da cooperação internacional) para garantir sua realização progressiva. Qualquer formulação de Metas de Desenvolvimento Sustentável que não englobe adequadamente as nuances de direitos humanos e de sustentabilidade, de forma simultânea e equilibrada, corre o risco de perder o foco na agenda abrangente do desenvolvimento sustentável, sem nenhum ganho compensatório.

Comprometimento com a coerência de políticas para sustentabilidade. Para traduzir o marco universal dos direitos à sustentabilidade, conforme descrito acima, em políticas nacionais efetivamente postas em prática, os governos e parlamentos devem adotar compromissos legais para a coerência de políticas de sustentabilidade, bem como estratégias de implementação e monitoramento.  Com base no conjunto central de princípios universais, como o princípio da precaução, o princípio de "não causar o mal" e o princípio da solidariedade, todas as políticas públicas devem ser redirecionadas aos direitos humanos e à sustentabilidade e estarem sujeitas às avaliações de impacto de direitos humanos e sustentabilidade.

Uma nova Carta para o Direito ao Desenvolvimento Sustentável. Para agrupar o conjunto central de princípios fundamentais e direitos humanos em um marco normativo de sustentabilidade, bem estar e progresso da sociedade, propomos a adoção de uma nova Carta para o Direito ao Desenvolvimento Sustentável. Esta Carta também deve referir-se, nomeadamente, à Carta Mundial para Natureza (1982) e à Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas (2007), além de atualizar e aprimorar a Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento de 1986. A nova Carta deve enfatizar o compromisso de governos com a coerência de políticas para direitos humanos e sustentabilidade. Deve reafirmar a obrigação com a implementação progressiva de direitos humanos por meio da máxima utilização de recursos e ampliá-la para o direito ao desenvolvimento sustentável e os direitos de futuras gerações. Deve reconhecer o conceito dos limites do planeta.  E finalmente, deve confirmar o princípio da divisão justa do ônus e dos direitos igualitários per capita, visando a população mundial e a emissão de gases de efeito estufa, e levando plenamente em conta as responsabilidades históricas de sociedades.

Reorientando as políticas fiscais na direção da sustentabilidade. As políticas fiscais são um instrumento essencial para governos colocarem em prática a abordagem de sustentabilidade, bem estar e progresso da sociedade, que se baseia nos direitos. As prioridades reais de governos estão refletidas mais claramente nos orçamentos públicos do que em declarações e programas de medidas governamentais. Além disso, a composição dos orçamentos governamentais nos permite realizar inferências sobre a influência política de diferentes grupos de interesse: Será que os militares são predominantes? Os interesses comerciais permeiam sua composição? Ou será que os gastos públicos estão voltados para as necessidades da maioria das pessoas da sociedade e corrigem a falta de equilíbrio entre gêneros? Em décadas mais recentes, testemunhamos o colapso das finanças públicas em muitos países, que resultaram na incapacidade crescente de governos de fornecer os bens e serviços públicos necessários para apoiar os sistemas de saúde e bem estar social, portanto deixando de responder efetivamente aos problemas sociais e ambientais.  Dessa forma, há uma necessidade urgente de fortalecer e reorientar as finanças públicas.

Realocação dos gastos governamentais. Em paralelo às mudanças exigidas no fluxo de receitas do orçamento, qualquer reforma ecológica e fiscal bem-sucedida também requer mudanças profundas no perfil de gastos. Com freqüência, testemunhamos o uso do dinheiro público em iniciativas prejudiciais ou, no mínimo, questionáveis. Com a redefinição de prioridades, a política de gastos públicos pode tornar-se uma ferramenta poderosa para reduzir as desigualdades sociais, eliminar a discriminação e sustentar a transição para padrões de produção e consumo sustentáveis. Isso inclui as seguintes etapas:

Um novo sistema global de compartilhamento de encargos financeiros além da AOD. Mesmo com um sistema público de finanças fundamentalmente fortalecido com o aumento de receitas tributárias e a realocação de gastos públicos, em muitos países a totalidade de recursos disponíveis não seria suficiente para atender os direitos sociais, econômicos, culturais e ecológicos das pessoas. Assim, o financiamento externo ainda se torna necessário. O atual sistema de transferências financeiras baseia-se no conceito da assistência (Assistência Oficial ao Desenvolvimento - AOD), que é caracterizado por relações paternalistas entre doadores ricos e "parceiros" pobres. Apesar de todas as tentativas de aumentar a "propriedade" e a "efetividade da assistência", esses fluxos financeiros são muitas vezes imprevisíveis, voláteis, relacionados a produtos e serviços dos doadores e sujeitos a condicionalidades. Esse conceito da assistência é enganoso, uma vez que sua justificativa é a caridade em vez dos direitos. Os governos têm de superar esse conceito da assistência e estabelecer um novo marco normativo de compartilhamento de ônus entre países ricos e pobres, com base no princípio da solidariedade, por exemplo, na forma de um sistema universal de equalização fiscal. Modelos para esse tipo de sistema de compensação ou equalização já existem em esferas nacionais e regionais. Na Alemanha, por exemplo, as desigualdades regionais são compensadas por um conceito de ajuste financeiro entre os estados federais. Na União Européia, a coesão e a equalização econômica são suportadas financeiramente por uma política compensatória estrutural. Um modelo como esse seria consistente com o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (DESC). A materialização desses direitos é responsabilidade dos governos “individualmente e por meio de assistência e cooperação internacional, especialmente nas arenas econômica e técnica, mediante o uso da totalidade de recursos disponíveis.” A priorização desses recursos para o DESC também se aplica à assistência internacional.

Um sistema de compensação para pagar a dívida climática. O segundo pilar de um novo sistema normativo de transferências financeiras deveria ser respaldado nos princípios de ‘quem paga é o poluidor’ e de responsabilidades comuns, porém diferenciadas. Isso se torna particularmente relevante na alocação de recursos para mudança climática. De acordo com esses princípios, esse países, que são responsáveis pelo prejuízo que a emissão excessiva de gases de efeito estufa está causando - e ainda causará no futuro - têm de arcar com os custos associados. Incorreram no acúmulo de dívidas climáticas que terão de quitar ao longo dos próximos anos e décadas. Os esquemas de compensação devem ser guiados pelos princípios de compartilhamento justo de ônus e direitos igualitários per capita, levando plenamente em consideração as responsabilidades históricas de sociedades.

Além da meta de 0,7%. Mudanças no marco normativo das transferências financeiras também afetarão a chamada meta de 0,7%. Em 2010, a meta de 0,7% marcou seu 40º aniversário de não-cumprimento, desde que os governos participantes da Assembléia Geral da ONU a estabeleceram em 1970.  A decisão foi baseada no conceito então dominante de modernização. Sentia-se que um "grande empurrão" no capital estrangeiro era necessário para permitir que os chamados países em desenvolvimento "decolassem" na direção do crescimento econômico duradouro. Naquela época, os especialistas do Banco Mundial estimavam que a lacuna de capital era de aproximadamente 10 bilhões de dólares, o equivalente a 11% do PIB dos chamados países industrializados. Em 1969, a Comissão Pearson recomendou conceder aos países em desenvolvimento 0,3% do PIB na forma de capital privado e 0,7% na forma de AOD. Esse evento consolidou o nascimento da meta de 0,7%.
Hoje, esse número de 0,7% possui relevância política apenas simbólica como um "indicador de solidariedade". A meta de 0,7% não consegue explicar quanto o cumprimento do marco dos direitos de sustentabilidade custará na realidade, quanto os respectivos países poderiam contribuir e quanto de capital externo seria necessário para preencher a lacuna. Todas as estimativas da necessidade de financiamento externo, em combinação com os recursos novos e adicionais exigidos para medidas de mitigação do clima e adaptação à mudança climática, demonstram, no entanto, que as transferências financeiras precisariam ir muito além da marca de 0,7% do PIB. A crítica justificada sobre o contexto original no qual a meta de 0,7% se baseou, de maneira alguma, legitimiza o distanciamento de obrigações internacionais.

Precisamos mudar a perspectiva das finanças públicas externas, abandonando a abordagem baseada em assistência e migrando para uma abordagem baseada em direitos. Desdobramentos adicionais da resolução da Assembléia Geral da ONU de 1970 para ajustar o marco normativo de transferências financeiras à realidade do presente estão, há muito, atrasados. Isso poderia ocorrer no contexto da Carta de Direito ao Desenvolvimento Sustentável proposta.

Propostas para novas formas mais previsíveis de transferências financeiras não são uma novidade. O Norte-Sul: O relatório do Programa para Sobrevivência, publicado em 1980 pela Comissão Internacional Brandt, propôs o aumento de receitas para o desenvolvimento através de mecanismos 'automáticos' que possam funcionar sem as repetidas intervenções de governos. “Acreditamos que, ao longo do tempo, o mundo deva migrar para um sistema financeiro no qual uma parcela progressivamente maior das receitas seja captada através desses meios. O fato de que as receitas são captadas automaticamente não implica, claramente, que sejam transferidas automaticamente; pelo contrário, devem ser canalizadas através de uma agência ou de agências internacionais apropriadas (…).” Mais de 30 anos após esse relatório visionário, é chegada a hora de transformar essas idéias em realidade.

Fortalecendo o princípio geral de direito para promover a sustentabilidade. O estabelecimento de regras e normas é uma tarefa básica de governos responsáveis e um instrumento chave para o desenvolvimento de políticas. Todavia, durante os últimos 30 anos, os governos muitas vezes se auto-enfraqueceram em decorrência de políticas de desregulamentação e liberalização fiscal. Confiaram na vontade corporativa e na auto-regulação "dos mercados". O estabelecimento de normas e regulamentações públicas foi denunciado, com freqüência, como um conjunto de políticas de comando e controle. Mas foram apenas os mercados financeiros operando desenfreadamente que tornaram o fiasco financeiro atual possível; leis de antitruste frágeis permitiram que os bancos transnacionais se tornassem grandes demais para falharem, e a transformação inadequada do princípio da precaução em avaliações tecnológicas obrigatórias teve como desfecho a catástrofe de Fukushima e outras. Em resposta às recentes crises financeira e de alimentos, os governos começaram a implementar novas regras e normas, como no caso da Comissão da Bolsa de Mercadorias e Futuros dos Estados Unidos, que em outubro de 2010 aprovou regras modestas para limitar a especulação excessiva de commodities. Mas muito mais ainda resta a ser feito para restaurar os direitos públicos sobre os privilégios corporativos e para fortalecer o princípio geral de direito, agindo no interesse das gerações atuais e futuras.

Rumo à governança responsável e de inclusão

A necessidade de superar a fragmentação. Até hoje, a abordagem da governança para o desenvolvimento sustentável tem sido baseada na governança dos três pilares do desenvolvimento sustentável em suas próprias áreas, complementada pela coordenação entre elas. Essa tentativa é praticada em todos os níveis – global, regional, nacional e sub-nacional – e em cooperação com atores não estatais, primariamente a sociedade civil, os povos indígenas e o setor privado.

O desenvolvimento sustentável tem sido visto como um conceito vinculante, criado para facilitar o diálogo entre aqueles cuja preocupação principal está relacionada ao meio ambiente e aqueles que se vêem no papel de promover o crescimento e o desenvolvimento. Essa abordagem enfatiza a coordenação e o diálogo, porém não possui uma base institucional forte para a tomada de decisões e a alteração de políticas entre os três pilares. Tampouco abarca os direitos humanos, as desigualdades e a exclusão social. Na prática, o pilar ambiental domina o diálogo, o pilar econômico domina o impacto e o pilar social é amplamente negligenciado, além de sua abordagem limitada nos MDMs (Metas de Desenvolvimento do Milênio).

Apelo Urgente para Promover a Mudança de Mentalidade

A Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável – Rio 2012 – deve mudar a mentalidade dominante, atuando para:

Resgatar os direitos públicos sobre os privilégios corporativos;
após 30 anos de fortalecimento do poder de investidores e grandes corporações por meio da desregulamentação, liberalização do comércio e do setor financeiro, isenções e cortes tributários e enfraquecimento do papel do Estado na mediação desse poder; e ainda após o colapso financeiro causado pelo mercado.

Os princípios e valores da Declaração do Rio e da Declaração do Milênio da ONU, adotados pelos líderes de Estados e governos, estão sob ameaça e precisam ser reimplementados com urgência.  Esses princípios e valores incluem os Direitos Humanos, Liberdade, Igualdade, Solidariedade, Diversidade, Respeito pela Natureza e Responsabilidades Comuns, porém Diferenciadas. Os interesses corporativos não defendem esses princípios e valores.

Encarar a equidade com seriedade;
Após 30 anos de políticas que expandiram ainda mais a lacuna entre ricos e pobres e que exacerbaram as iniqüidades e desigualdades, incluindo o acesso a recursos.

Forças de mercado descontroladas favoreceram aqueles que já detinham uma posição de poder, ampliando a exclusão econômica.  Isso exige que governos reparem o desequilíbrio, eliminem a discriminação e garantam a subsistência sustentável, o trabalho decente e a inclusão social. A justiça intergeracional demanda contenção e responsabilização da geração atual.  É premente a necessidade de se implementar direitos per capita mais equitativos para promover o commons global e para abordar as emissões de gases de efeito estufa, levando-se plenamente em conta a responsabilidade histórica.

Recuperar a natureza;
após mais de 60 anos de aquecimento global, perda de biodiversidade, desertificação, depleção da vida marinha e de florestas, uma crise de recursos hídricos em rápida ascensão e muitas outras catástrofes ecológicas.

A crise ambiental está atingindo os pobres muito mais adversamente do que os ricos.  Soluções com o uso intenso do conhecimento, incluindo tecnologias, estão disponíveis para resgatar os sistemas naturais e reduzir dramaticamente as pressões sobre o clima e o meio ambiente global ao mesmo tempo em que melhoram o bem-estar de seres humanos. Uma “economia verde” é possível, porém deve estar permeada por um conceito holístico de sustentabilidade.  O que precisamos promover é a mudança de estilos de vida.

A Rio 92 adotou instrumentos com valor jurídico e dedicou-se à sociedade civil.  A Cúpula de Johanesburgo de 2002 celebrou parcerias com base em um Setor Privado auto-regulamentado.  A Cúpula do Rio de 2012 deve reiterar o papel do Estado como um ator indispensável que estabelece o marco jurídico, coloca padrões de equidade e direitos humanos em vigor e promove o pensamento ecológico a longo prazo, com base na legitimidade democrática.

A tomada de decisões e o desenvolvimento de políticas são gravemente prejudicados por essa hierarquia entre os três pilares, na medida em que a governança econômica global não cumpre os mandatos dos direitos humanos ou os requisitos do desenvolvimento sustentável. A hierarquia entre os três pilares também está refletida nas medidas usadas para recomendações de políticas e alocação orçamentária. Essas possuem objetivos sociais em um nível inferior; as métricas do progresso contabilizam apenas os dólares e externalizam os custos social e ambiental, favorecem o setor privado e penalizam a carteira pública. Não estamos medindo desenvolvimento sustentável, mas primariamente o crescimento econômico.

Para superar a fragmentação da governança para o desenvolvimento sustentável e garantir a coerência de políticas, é primordial reorganizar e reconfigurar as estruturas institucionais que englobam todos os aspectos do ciclo de políticas: definição da agenda, análise e formulação de políticas, tomada de decisão, implementação e avaliação.

Rumo ao Conselho do Desenvolvimento Sustentável. Adotar o desenvolvimento sustentável como um conceito abrangente requer uma instituição de ponta que congregue todas as outras noções de desenvolvimento e que consiga instilar na agenda de todos os organismos ambientais e de desenvolvimento a essência dos direitos e da sustentabilidade.

A configuração institucional do desenvolvimento sustentável deve guiar o trabalho de instituições globais na integração da tomada de decisões, ações, implementação e revisão de políticas. Não pode ser deixada a cargo do ECOSOC (Conselho Econômico e Social). Muitos recomendaram um Conselho de Desenvolvimento Sustentável se reportando diretamente à Assembléia Geral nos moldes do Conselho dos Direitos Humanos. Esse Conselho teria uma remissão que se estenderia a todos os três pilares do desenvolvimento sustentável - o ambiental, o econômico e o social.

A jurisdição do Conselho englobaria todos os organismos multilaterais, incluindo as instituições financeiras internacionais. O novo Conselho seria encarregado de supervisionar o processo de reporte apoiado por uma Revisão Periódica Universal (RPU) avançada.

Uma Revisão Periódica Universal da Sustentabilidade. O novo Conselho de Desenvolvimento Sustentável deve estar equipado com um mecanismo de Revisão Periódica Universal para que todos os países reportem suas ações para atingir o desenvolvimento sustentável, cobrindo todas as questões relevantes ligadas aos direitos humanos, comércio, políticas macroeconômicas, meio ambiente, financiamento e participação política. O conceito de RPU deve ser aprimorado para considerar as informações fornecidas não apenas pelos governos, mas também por outros atores, como a sociedade civil e o setor privado. As informações de relatórios e dos achados das Revisões Periódicas Universais seriam amplamente disponibilizadas através de canais de informação que pró-ativamente atingem todos os participantes relevantes.

Atualizando a Comissão de Políticas de Desenvolvimento. De acordo com sua constituição atual, a Comissão de Políticas de Desenvolvimento (CPD) é um organismo subsidiário ao Conselho Econômico e Social das Nações Unidas (ECOSOC). Ele fornece informações e consultoria independente ao Conselho a respeito de questões emergentes ligadas ao desenvolvimento que permeia os vários setores e sobre a cooperação internacional para o desenvolvimento, concentrando-se nos aspectos de médio e longo prazo. Os 24 membros da Comissão são nomeados pelo Secretário Geral das Nações Unidas na sua capacidade pessoal e o cargo é designado pelo Conselho por um período de três anos. A composição dos membros é organizada de forma a refletir um amplo espectro de experiências na área do desenvolvimento assim como o equilíbrio geográfico e de gênero. O CPD deve ser atualizado para trazer a bordo a atuação em pesquisas e oferecer consultoria independente a respeito de políticas do desenvolvimento sustentável que integrem plenamente os três pilares e a respeito de questões emergentes que exijam atenção e medidas intergovernamentais.  Deve estabelecer grupos de trabalho ou forças-tarefa que atendam demandas específicas para aprofundar e complementar suas funções e incluir membros de organizações que tenham um compromisso e um histórico comprovados em assuntos de relevância, incluindo as instituições da sociedade civil e dos povos indígenas. 

Ouvidoria (Ombudsperson) Internacional e Relatores Especiais. Há algumas áreas essenciais do desenvolvimento sustentável e da justiça intergeracional onde faltam padrões normativos e supervisão no sistema de governança internacional. Nós apoiamos a recomendação de se estabelecer a instituição de ouvidoria (Ombudsperson) para justiça intergeracional/gerações futuras. Além disso, a função de Relatores Especiais deve ser usada para examinar, monitorar, aconselhar e gerar relatórios públicos sobre problemas, como o direito à terra, acesso e uso da tecnologia, indústria da pesca; e desenvolver recomendações não apenas sobre casos específicos, mas também para normas novas e atualizadas. Isso poderia constituir um procedimento especial do recém-constituído Conselho para Desenvolvimento Sustentável. 

Superando as lacunas da governança em nível nacional. Um grande desafio para se introduzir uma governança efetiva na esfera global é a falta de coerência na esfera nacional.  Acordos internacionais efetivos não podem ser determinados ou fortalecidos sem a presença do comprometimento e da coerência na esfera nacional, e em todos os países. A reestruturação do ECOSOC ou a criação de um novo Conselho será um exercício fútil se ele não for "assumido" por contrapartes nacionais eficientes e colocado em uma posição de governança que influencie outros ministérios e interesses.  O novo mecanismo de governança na esfera nacional poderia incluir, por exemplo:

 

[1] Declaração redigida pelo Grupo de Reflexão da Sociedade Civil sobre as Perspectivas do Desenvolvimento Global. Trata-se de uma declaração preliminar que ainda não foi discutida por completo por todos os membros do Grupo. Os "trabalhos estão em andamento". Dessa forma, nem todas as recomendações desta declaração foram explicitamente endossadas por todos os membros do Grupo. Entretanto, a declaração transmite as idéias e o consenso fundamentais que foram formulados em reuniões prévias do Grupo de Reflexão.  O relatório final mais abrangente do Grupo será publicado no outono de 2012.  Os membros do Grupo de Reflexão são: Alejandro Chanona, Universidade Autônoma Nacional do México; Barbara Adams, Fórum de Políticas Globais; Beryl d'Almeida, Comitê de Bebês Abandonados do Zimbábue; Chee Yoke Ling, Rede do Terceiro Mundo; Ernst Ulrich von Weizsäcker, Painel de Recursos Internacionais; Danuta Sacher, Terre des hommes, Alemanha; Filomeno Sta. Ana III, Ação para Reforma Econômica, Filipinas; George Chira, Terre des hommes, Índia; Gigi Francisco, Alternativas de Desenvolvimento com Mulheres para uma Nova Era; Henning Melber, Fundação Dag Hammarskjöld, Suécia; Hubert Schillinger, Friedrich-Ebert-Stiftung, Alemanha; Jens Martens, Fórum de Políticas Globais, Europa; Jorge Ishizawa, Projeto Andino de Tecnologias para Camponeses, Peru; Karma Ura, Centro para Estudos do Butão; Roberto Bissio, Observatório da Cidadania; Vicky Tauli-Corpuz, Fundação Tebtebba; Yao Graham, Rede do Terceiro Mundo, África.   
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Rio+20: A implementação é a chave

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No mundo todo, a marginalização social, e até mesmo a exclusão, está em ascensão. A desmotivação de jovens, mulheres, povos indígenas, indivíduos pobres de áreas rurais e urbanas e outras populações marginalizadas, bem como a classe média que se encontra ameaçada no momento, constitui um desafio sem precedentes para governos e para a ONU. A crise ecológica - desde a exaustão de recursos até a poluição e a mudança climática - vem piorando de 1992. A Declaração de Direitos Humanos oferece uma dimensão transversal do desenvolvimento sustentável: O Rio+20 deve, portanto, focar em sua implementação. Há a necessidade urgente de fortalecer os acordos institucionais com base nos princípios do Rio.

Chee Yoke Ling

Rede do Terceiro Mundo, Malásia

No mundo todo, a marginalização social, e até mesmo a exclusão, está em ascensão. A desmotivação de jovens, mulheres, povos indígenas, indivíduos pobres de áreas rurais e urbanas e outras populações marginalizadas, bem como a classe média que se encontra ameaçada no momento, constitui um desafio sem precedentes para governos e para a ONU. A crise ecológica - desde a exaustão de recursos até a poluição e a mudança climática - vem piorando de 1992.  A Declaração de Direitos Humanos oferece uma dimensão transversal do desenvolvimento sustentável: O Rio+20 deve, portanto, focar em sua implementação. Há a necessidade urgente de fortalecer os acordos institucionais com base nos princípios do Rio.

As expectativas do documento resultante do Rio+20 estão invariavelmente ligadas aos compromissos e promessas não cumpridos da Rio 92 - Conferência sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, e suas convenções e planos de ação subseqüentes.  O compromisso de realizar uma mudança de paradigma dos modelos de crescimento econômico não sustentáveis para o desenvolvimento sustentável foi assumido nos mais altos escalões políticos, porém, até o momento ainda não ocorreu.

Hoje as desigualdades permeiam os Estados interna e externamente, entre outros Estados. As exportações mundiais quase quintuplicaram enquanto a receita per capita mundial mais do que dobrou. Entretanto, 20% da população mais rica desfruta de mais de 70% da renda total e aqueles que se encontram na camada dos 20% mais pobres recebem apenas 2% da renda global.

Essa distribuição distorcida da riqueza econômica ocorreu mediante o alto preço de um sistema financeiro internacional desregulamentado e desestabilizado, e um sistema de comércio multilateral que é amplamente caracterizado por regras que não são equilibradas, operando para desfavorecer os países em desenvolvimento. Quando crises econômicas e financeiras se abatem sobre nós, a maioria das pessoas — especialmente os pobres — sofre com impactos profundamente desproporcionais.

Os países desenvolvidos também concordaram na RIO 92 em tomar a liderança para abandonar padrões de consumo não sustentáveis. Esse padrões, todavia, permaneceram amplamente inalterados, e foram disseminados para os países em desenvolvimento, com os mais ricos adotando estilos de vida similares e a erradicação da pobreza continuando a ser elusiva. Com a desigualdade de renda acentuando-se em todos os países, o consumo excessivo e o consumo não sustentável dominam as alternativas de produção (e portanto o uso de recursos naturais e a alocação de recursos financeiros) enquanto os pobres e marginalizados são privados de uma qualidade de vida digna.



Reafirmando os princípios da RIO 92

Os princípios e marcos do desenvolvimento sustentável já foram adotados, inicialmente na RIO 92 e subsequentemente em planos de ação, programas e medidas acordados nas sessões anuais da Comissão sobre Desenvolvimento Sustentável (CDS). Eles também foram aceitos em todos os tratados e convenções relevantes.

Os componentes da agenda sustentável também fazem parte dos resultados das Cúpulas e Conferências da ONU desde 1992. A abordagem dos direitos humanos como uma dimensão transversal do desenvolvimento sustentável também possui um longo histórico de precedentes, desde que a Declaração Universal de Direitos Humanos foi adotada pela Assembléia Geral da ONU em 1948.  A Rio+20 deve, portanto, focar na implementação.

Atualmente, as falhas de implementação da agenda do desenvolvimento sustentável são amplamente reconhecidas. Assim, é essencial que a Rio+20 reconheça as causas centrais que levaram ao insucesso da implementação. Essas causas incluem:

Marco institucional para o desenvolvimento sustentável

A ONU é o principal fórum para se chegar a um acordo sobre o Marco Institucional para o Desenvolvimento Sustentável (MIDS) com a integração dos três pilares do desenvolvimento sustentável e a implementação da agenda do desenvolvimento sustentável. Nesse contexto, necessita-se fortalecer urgentemente os acordos institucionais sobre o desenvolvimento sustentável em todas as esferas, de acordo com os princípios do Rio, especialmente o das responsabilidades comuns, porém diferenciadas.

Para lograr a integração dos três pilares e atingir o desenvolvimento sustentável, o MIDS deve, no mínimo, ralizar as seguintes funções:

  • Identificar ações específicas para cumprir a agenda do desenvolvimento sustentável;
  • Apoiar as estruturas regionais e os mecanismos nacionais, desenvolvendo e implementando suas estratégias de desenvolvimento sustentável;
  • Dar suporte aos países em desenvolvimento para que participem ativamente nas esferas regional e internacional durante a tomada de decisões;
  • Fornecer orientação global sobre ações específicas necessárias para cumprir a agenda do desenvolvimento sustentável;
  •  Monitorar o progresso da implementação, incluindo os compromissos de concessão de expertise e tecnologia para a implementação, e recomendar ações para corrigir e lidar com desafios;
  • Avaliar a integração equilibrada dos três pilares no sistema internacional e estabelecer os mecanismos necessários para acompanhar os compromissos assumidos e identificar as lacunas ou fraquezas que afetam a plena implementação da agenda do desenvolvimento sustentável;
  • Promover a participação da sociedade civil na agenda do desenvolvimento sustentável.

O MIDS requer que o Secretariado: (a) forneça os recursos de pesquisa, análise e relatórios, e recomendações para alertar governos e o público a respeito de tendências e problemas emergentes; (b) forneça consultoria e assistência técnica em geral; (c) organize a convocação de reuniões, disseminando seus relatórios e acompanhando seus resultados. É importante que para todas essas ações, as implicações para todos os três pilares sejam consideradas, para que cada um deles seja igualmente desenvolvido em termos de conceitos, resultados e ações.

Dessa forma, há a necessidade urgente de:

Primeiro, reiterar os princípios acordados internacionalmente que são parte integrante da Declaração sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, assinada no Rio de Janeiro em 1992, especialmente o princípio fundamental de responsabilidades comuns, porém diferenciadas, como o marco político para o desenvolvimento sustentável.

Em segundo lugar, renovar o compromisso político para implementação da agenda de desenvolvimento sustentável acordada, aproveitando o conhecimento e as experiências acumuladas dos últimos 20 anos.



Em terceiro lugar, embarcar em uma "parceria global revitalizada para o desenvolvimento sustentável" com os Estados retomando seu papel de responsabilidade e lançando mão da autonomia de políticas como uma contracorrente às forças desenfreadas do mercado que causam instabilidades em todos os níveis.

Em quarto lugar, em qualquer colaboração público-privada, garantir a desvinculação de políticas públicas e da governança da influência indevida do setor privado, especialmente das corporações e grandes empresas transnacionais.

Em quinto lugar, reconhecer a importância da tecnologia adequada para o desenvolvimento sustentável, estabelecendo um organismo intergovernamental que facilite a transferência tecnológica e a inovação (e que lide com barreiras como os direitos de propriedade intelectual), construindo capacidade para avaliações tecnológicas. A CSD, em sua primeira sessão, já estressou a necessidade das tecnologias serem avaliadas por seus impactos social, econômico, ambiental, de saúde e segurança.

Reconstruindo a segurança

A construção da segurança é necessária em função do distanciamento da maioria dos países desenvolvidos de seus compromissos internacionais relacionados ao desenvolvimento sustentável, e até mesmo a rejeição de alguns deles do princípio das responsabilidades comuns, porém diferenciadas. Fica claro, a partir do processo preparatório e das várias discussões correlatas, que ainda não há uma definição ou uma compreensão comum universalmente aceita sobre o termo "economia verde". Enquanto partes do sistema da ONU, como o ESCAP, auxiliaram os Estados membros a chegar a algum tipo de compreensão comum a respeito do crescimento verde, seus detalhes e sua operacionalização permanecem obscuros para a maioria dos governos.

Nas esferas dos governos locais e nacionais, das comunidades, empresas e organizações da sociedade civil, um amplo leque de políticas, programas, projetos e medidas são desenvolvidos e implementados e são considerados como "verdes" por todos os envolvidos, de acordo com suas respectivas interpretações e descrições.

Entretanto, algo que também está fortemente vindo à tona no processo preparatório, especialmente nas reuniões regionais, incluindo recentemente o Simpósio de Alto Nível sobre o Rio+20 em Pequim e o Diálogo Ministerial de Déli sobre Economia Verde e Crescimento com Inclusão, é a existência de um consenso crescente sobre a reafirmação dos princípios do Rio e o marco do desenvolvimento sustentável na arena internacional, permitindo que estratégias nacionais sejam formuladas e possam promover um ajuste fino dos três pilares em linha com melhores princípios, abordagens e práticas.

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Social Watch no mundo (pdf)

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2012
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Social Watch: Promovendo a responsabilidade (pdf)

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Sumário (pdf)

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Verde e igualitário: financiamento para um desenvolvimento justo e sustentável

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Feminist Alliance for International Action (FAFIA)
Kate McInturff
Um elemento essencial para assegurar uma implementação consistente de qualquer acordo internacional é um suporte político e financiamento adequado. A lacuna entre verbas prometidas e verbas efetivamente alocadas é em si uma medida crucial da durabilidade dos compromissos políticos.  Fazer o acompanhamento da alocação, contudo, não é suficiente para assegurar que os fundos para mudança climática estão sendo direcionados de forma equitativa e sustentável.  Os fundos do clima devem também integrar uma abordagem de gênero no planejamento orçamentário e na liberação de tais verbas para enfrentar e mitigar os impactos diferenciais da mudança climática nas mulheres.  Além disso, a administração e planejamento orçamentário das verbas devem ser conduzidos com igualdade de gêneros, envolvendo mulheres e organizações para os direitos da mulher na tomada de decisão em todos os níveis.

Análises têm demonstrado que continua a haver uma lacuna considerável entre os compromissos assumidos pelos administradores de fundos, como o Banco Mundial, quanto a políticas de desenvolvimento equitativas de gênero e quase uma ausência total de análises baseadas no gênero das políticas e programação de financiamento para a mudança climática pelo Banco Mundial.[1] As consequências dessa ausência são enormes, não só por não acabar com a lacuna entre o bem-estar de mulheres e homens, mas também pelo sucesso geral de qualquer estratégia para a mudança climática.[2] Isso porque homens e mulheres desempenham papéis diferentes em áreas como produção de alimentos, consumo de combustível, gestão de recursos, resposta a desastres e economia doméstica. Consequentemente são afetados de formas diferentes pelas mudanças climáticas e cada um pode dar contribuições diferentes nos esforços de adaptação e mitigação.
As mulheres correspondem à maior parte dos pequenos produtores de alimentos.  Normalmente são elas as responsáveis pelo cultivo, preparo e distribuição dos alimentos entre seus familiares e em sua comunidade. Fundos para a mudança climática que desconsideram o papel da mulher na produção de alimentos perdem a oportunidade de ter um impacto significativo tanto na segurança alimentar como nos esforços de adaptação e mitigação.
Estes fundos devem abordar as macroestruturas de desigualdade, ou correm o risco de aumentar a lacuna entre mulheres e homens. Embora sejam as mulheres a maioria dos pequenos produtores rurais, e sejam elas as que têm melhores condições de responder a insegurança alimentar, é muito pouco provável que o título da terra que cultivam esteja em seu nome.  É pouco provável que tenham direito à propriedade, inclusive à herança.  Pesquisas mostram que em tempos de escassez de alimentos as mulheres frequentemente reservam uma parcela maior dos alimentos aos homens da família do que às mulheres da família. Uma avaliação dos fundos climáticos sensível ao gênero deve considerar não apenas como as verbas são distribuídas, mas quanto dessas verbas é alocado para atacar os empecilhos estruturais à plena participação feminina.  
Uma análise dos fundos climáticos com viés de gênero deve também prestar atenção à divisão de trabalho remunerado e não-remunerado.  Essa é uma área onde o orçamento com viés de gênero pode dar uma contribuição particularmente significativa para entender como melhorar o financiamento climático. As mulheres continuam a desempenhar uma quantidade desproporcional do trabalho não-remunerado, e muito dele diretamente impactado pelas mudanças climáticas. Esse trabalho inclui as tarefas de cultivo e preparo de alimentos e obtenção de água, o que é dificultado pela seca e outras mudanças nos padrões meteorológicos.  Inclui obter e usar combustível para limpar, cozinhar e esterilizar. Todo esse fardo é ainda mais pesado devido aos impactos negativos da mudança climática.  Contudo, muito desse trabalho não faz parte da economia monetarizada.  Assim, os mecanismos de financiamento climático que medem o impacto em termos de trabalho pago e PIB ou PNB não captam o peso crescente do trabalho não remunerado sobre as mulheres nem o impacto das estratégias de mitigação em diminuir esse fardo. Uma carga de trabalho não remunerado menor não apenas aumentaria a capacidade das mulheres em entrarem no mercado de trabalho remunerado, e assim, potencialmente aumentar sua independência econômica, mas pode também aumentar as oportunidades de educação para meninas e mulheres. Aumentar o nível de escolaridade das mulheres, por sua vez, tem demonstrado um impacto positivo na saúde da mulher e de suas famílias. Contudo, nada disso pode ser medido sem medir a natureza e o efeito do trabalho não-remunerado em mulheres e em suas comunidades.
O exemplo do trabalho não-remunerado levanta uma tensão mais fundamental para os esforços de monitoramento de fundos para a mudança climática. Planejamento orçamentário com viés de gênero ou com viés climático são ambos baseados na premissa de que orçamentos são declarações de valores e não simples respostas mecânicas ao mercado e outras dinâmicas econômicas. Orçamentos com base de gênero ou climática assumem que gastos são uma oportunidade de mudar para melhor - para uma macroeconomia que seja sustentável e equitativa, que meça o progresso em termos de bem-estar e não do PIB, que capte as mudanças na qualidade de vida, e não apenas nas finanças. Assim sendo, esse tipo de monitoramento e análise reenquadra radicalmente a teoria econômica neoliberal. Na prática, contudo, os projetos orçamentários para gênero ou para clima frequentemente invocam tanto as ideias de justiça e equidade como os argumentos da economia tradicional que se referem ao custo-benefício e crescimento. Em tempos de crise econômica global é difícil ter argumentos que desconsiderem o custo e a produtividade. Contudo, quando os atores do estado começam a retroceder nos seus compromissos internacionais para mudança climática e para a igualdade de gêneros, frequentemente o fazer citando o custo de cumprir com esses compromissos. Em face ao argumento de que justiça e igualdade são caras demais, aqueles que propõe valores que subscrevem projetos orçamentários de clima e de gênero devem enfrentar a contradição inerente às suas próprias táticas — devem considerar se pretendem ou não apresentar demandas de justiça e igualdade mesmo quando os objetivos finais são contrários ao crescimento do mercado e à produtividade.  

[1] Rooke, Anna et al. Doubling the Damage: World Bank Climate Investment Funds Undermine Climate and Gender Justice. Gender Action and Heinrich Böll Foundation North America, (2009).

[2] Ibid.

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