Moradia, terra e desenvolvimento sustentável

Miloon Kothari e Shivani Chaudhry[1]

O conceito de justiça ambiental é útil para integrar os princípios de igualdade, justiça social e meio ambiente sob o marco do desenvolvimento sustentável. A justiça ambiental foi definida como o direito ao desenvolvimento seguro, saudável, produtivo e sustentável para todos, no qual o “meio ambiente” é plenamente considerado, incluindo as condições ecológicas (biológicas), físicas (naturais e criadas pelo trabalho humano), sociais, políticas, estéticas e econômicas.

O UN Habitat relatou que a população de moradores de favelas continua a crescer a uma taxa de aproximadamente 10% todos os anos. Na pior das hipóteses, o número de pessoas que moram em favelas irá subir de 1 bilhão em 2005 para 1,6 bilhões em 2020. De acordo com a Organização Mundial da Saúde, 884 milhões de pessoas no mundo não têm acesso a uma fonte de suprimento de água moderna, e em torno de 2,6 bilhões de pessoas não têm acesso a um sistema sanitário moderno (mais de 35% da população mundial). Em 2006, 7 dentre 10 pessoas sem acesso a um sistema sanitário moderno eram habitantes de zonas rurais.[2] Estima-se que cerca de um quarto da população do planeta não possui terra, incluindo os 200 milhões de habitantes de áreas rurais, e que aproximadamente 5% da população do mundo vive em condições de pobreza extrema.[3]

Essa situação grave apresenta riscos significativos para a vida e a saúde de uma grande maioria de pessoas, e também impacta uma série de direitos humanos, incluindo o direito a uma qualidade de vida adequada e o direito a um meio ambiente saudável. As políticas de globalização, incluindo os acordos de comércio e investimento, afetaram adversamente a população pobre de zonas rurais, especialmente as mulheres e os povos indígenas.

Os direitos à moradia e à terra estão integralmente associados aos direitos humanos à saúde, alimento, água, trabalho/subsistência, desenvolvimento e meio ambiente. O acesso a alimentos nutritivos e apropriados, à água limpa e potável, à subsistência segura e aos mais altos padrões de assistência à saúde constituem elementos críticos da promoção do desenvolvimento sustentável e da manutenção da saúde e do bem estar de pessoas e do planeta.
A participação relevante em decisões que afetam a vida de pessoas é um direito humano bem como um meio de garantir o benefício de outros direitos humanos, incluindo o direito à moradia adequada. Negar o direito à participação causa efeitos adversos sobre o direito à moradia adequada. Quando a participação nos projetos, planos e políticas habitacionais é garantida, as moradias fornecidas têm uma probabilidade maior de atender os critérios de adequação e sustentabilidade. A maior parte de violações dos direitos humanos ocorre porque as pessoas não são consultadas sobre decisões que afetam diretamente suas vidas e sua subsistência. A participação relevante exige que o processo de consulta seja ininterrupto.  
Dada a interdependência mútua de todos os direitos humanos, a falta atual em garantir os direitos à moradia adequada e à terra resultou em um ciclo de privação que impediu que vários direitos humanos correlatos fossem desfrutados, incluindo o direito à alimentação, água e saúde, que estão fundamentalmente ligados.

Em função da ineficiência contínua dos atores Estatais e não-Estatais em respeitar, promover e cumprir os direitos humanos à moradia adequada e à terra, há a necessidade urgente de se repensar “as práticas costumeiras” e traçar um novo caminho para o futuro. Nós propomos o desenvolvimento e a implantação de duas abordagens – o direito à cidade e o direito à terra e aos recursos naturais – como bases conceituais para a articulação da indivisibilidade dos direitos humanos e a promoção dos direitos humanos à moradia adequada, à terra e ao desenvolvimento sustentável.

O desenvolvimento e a articulação renovada do “direito à cidade” representam uma oportunidade para uma solução durável, que utiliza uma abordagem holística e sustentável para concretizar tanto os direitos humanos como os ambientais. 

O movimento pelo direito à cidade foi lançado por grupos sociais e organizações da sociedade civil em uma tentativa de garantir um acesso melhor às oportunidades para todos aqueles que vivem em cidades, especialmente em áreas mais marginalizadas e carentes.  

O direito à cidade constitui o “usufruto igualitário das cidades de acordo com os princípios de sustentabilidade, democracia, igualdade e justiça social. Trata-se do direito coletivo de habitantes de cidades, especialmente dos grupos marginalizados e vulneráveis, que lhes confere a legitimidade de ação e organização, com base em seus usos e costumes, com o objetivo de alcançar o pleno exercício do direito de livre autodeterminação e de uma qualidade de vida adequada.” [4] Deve ser definido como o direito a um espaço político, social, cultural e espiritual de inclusão, sensível às questões de gênero, que deve incluir o sólido comprometimento com a redução da pobreza.  Isso engloba a eliminação de dispositivos discriminatórios em leis e políticas que afetam negativamente os pobres e os economicamente mais fracos. Incentivos financeiros, subsídios, crédito, terra e moradia prioritária devem ser concedidos aos sem-teto, sem-terra e àqueles que vivem em condições inadequadas.

O reconhecimento e a proteção legais do direito humano à terra e a outros recursos naturais são críticos para a promoção do desenvolvimento sustentável e da justiça ambiental. O direito à terra precisa ser defendido para garantir a igualdade de propriedade da terra assim como do uso da terra e espaços públicos. Isso inclui o direito de propriedade e gestão coletiva da terra, bens e outros recursos naturais, como florestas e massas de água. O reconhecimento legal de direitos de propriedade vinculados à comunidade é importante para garantir o uso e a gestão sustentáveis dos recursos naturais bem como para proteger o direito a uma qualidade de vida adequada.  

As leis e políticas sobre a terra devem definir o “interesse/bem público” para impedir a tomada de terras com finalidades não democráticas e deve revogar o princípio de desapropriação (domínio eminente), uma vez que ele é utilizado ampla e equivocadamente por nações. 

[1] Miloon Kothari é o antigo Relator da ONU para moradia adequada, Conselho de Direitos Humanos da ONU; Shivani Chaudhry é Diretor da Rede de Direitos à Terra e à Moradia, Índia.

[2] A. Prüss-Üstün et al., Safer Water, Better Health: Costs, benefits and sustainability of intervention to protect and promote health, WHO, (Genebra: 2008).

[3] UN-Habitat e Rede Global de Ferramentas de Acesso à Terra, Secure Land Rights for All, (2008), <www.unhabitat.org/content.asp?cid=5698&catid=503&typeid=24&subMenuId=0>.

[4] “Carta Mundial sobre o Direito à Cidade,” <www.globalgovernancewatch.org/resources/world-charter-on-the-right-to-the-city>.