Direitos Humanos devem estar no centro da recuperação econômica

Carta Aberta da Sociedade Civil[1]

O mundo ainda sofre as consequências da crise financeira global de 2008, sem perspectivas reais de recuperação a vista.Somente um compromisso duradouro de respeito, proteção e cumprimento das obrigações de direitos humanos legalmente vinculantes consagradas na Declaração Universal dos Direitos Humanos e os principais tratados internacionais pode fornecer a base para uma reforma que assegure uma economia global mais sustentável, resiliente e justa. Os líderes do G-20 devem garantir a execução de reformas para impedir que atividades especulativas no mercado financeiro ponham em risco o usufruto dos direitos humanos, e devem também ajustar um aumento relativo da pressão fiscal sobre o setor bancário e cooperar na promoção da transparência e da prestação de contas quando da mobilização de receitas.

Mais de três anos após o início da crise financeira global, a economia mundial enfrenta um futuro de incertezas. O constante mal-estar econômico clama pelo questionamento da real extensão da recuperação que foi largamente celebrada no ano passado. Além disso, o mundo jamais esteve próximo a uma “recuperação” do preço pago em direitos humanos da crise financeira. A pobreza e a desigualdade aumentaram e o crescimento econômico, onde houve, não trouxe melhores empregos ou maiores salários, mas uma distribuição assimétrica em favor dos setores mais ricos da sociedade.

Enquanto o mundo se prepara para um novo revés econômico, países e famílias, que mal se recuperaram da última recessão, agora enfrentam um situação ainda pior, com consequências negativas para os direitos humanos fundamentais tanto em países ricos como em pobres.

As obrigações dos Estados quanto aos direitos consagrados na Carta Internacional dos Direitos Humanos exige que os governos avaliem cuidadosamente as próprias escolhas e rumos de ação contra as conseqüências dos direitos humanos de maneira transparente, participativa, não-discriminatória e com prestação de contas.  Somente um compromisso duradouro de respeito, proteção e cumprimento das obrigações de direitos humanos legalmente vinculantes consagradas na Declaração Universal dos Direitos Humanos e os principais tratados internacionais pode fornecer a base para uma reforma que assegure uma economia global mais sustentável, resiliente e justa.

Privações de direitos humanos em larga escala em razão de crises econômico-financeiras não são fenômenos naturais inevitáveis. A agenda do grupo dos 20 (G-20) delineada em Cannes fornece várias oportunidades factíveis para os governos – individual e coletivamente – de escolher caminhos centrados nos direitos humanos alternativos para a recuperação econômica sustentável.  

Questões e recomendações

A seriedade dos problemas que ameaçam o mundo econômico hoje justifica uma resposta coordenada e coesa dos países do G-20 para estimular suas economias. A adoção prematura de medidas de austeridade nas políticas e a consequente redução na demanda agregada de produtos e serviços têm sido a principal razão pela qual o mundo teve uma recaída em direção a crise econômica. Essas políticas ameaçam continuar a privar as pessoas do acesso a renda, empregos e serviços enquanto a maioria de seus governos recusa-se a estabelecer sistemas justos para que o setor privado compartilhe o ônus da reestruturação da dívida pública.

As normas e princípios dos direitos humanos fornecem um marco para o desenho e implementação de medidas de estímulo que sejam participativas, transparentes, responsáveis e não-discriminatórias, e o G-20 deve garantir a implementação das medidas traçadas dentro do marco dos direitos humanos. Introduzir medidas de estímulo sem a avaliação adequada de seus efeitos não é desejável, especialmente quando estes podem impor um novo peso ao orçamento público em benefício das empresas privadas, que se baseiam no risco. Programas de infraestrutura pública com enfoque especial em gênero e meio ambiente estão entre as medidas que devem ser empreendidas para assegurar que qualquer recuperação beneficie os que mais precisam.

As obrigações dos governos de tomar medidas para cumprir com suas responsabilidades referentes aos direitos sociais e econômicos não podem ser sustentadas sem uma avaliação detalhada da contribuição que o setor financeiro dá ao orçamento público através de impostos. Em geral, a liberalização do capital ao longo das duas ou três últimas décadas significou mais impostos indiretos e regressivos, aumentando desproporcionalmente a pressão fiscal sobre as famílias das classes média e baixa.

A escala e a complexidade das instituições financeiras é outro fator de pressão. Grandes empresas do setor financeiro, algumas delas operando em dezenas de foros diferentes, têm resistido com sucesso a reduzir sua complexidade ou tamanho. Elas conseguem lucrar com desarticulações regulatórias e fiscais que tal posição torna possível, enquanto sua complexidade e tamanho limitam as chances de que os riscos resultantes possam ser exitosamente diluídos sem interromper as atividades bancárias vitais no caso de um colapso. O G-20 deve tomar medidas para abordar esse problema já que ele se relaciona a instituições financeiras sistematicamente importantes, inclusive através da intervenção regulatória direta para dissolver grandes empresas. É especialmente importante que os membros do G-20 concordem em adotar e implementar um imposto sobre transações financeiras e que estabeleçam um compromisso claro de usar os recursos resultantes para cumprir com suas obrigações de direitos humanos. Os governos devem tomar passos decisivos de cooperação internacional para assegurar a transparência e prestação de contas mútuas na mobilização de receitas internas.

Além disso, os governos devem impor regulamentações bancárias que reconheçam o dever dos Estados de prevenir, proteger e fornecer remédios efetivos contra as violações dos direitos humanos por atores privados, inclusive no setor financeiro. No curto e médio prazo, os governos devem ter plenos poderes para considerar a regulamentação dos serviços bancários como uma ferramenta essencial para garantir que todos possam usufruir dos direitos humanos cada vez mais.

[1] Adaptado da CartaAberta da Sociedade Civil aos Líderes do Grupo dos 20 sobre a Inserção dos Direitos Humanos na Regulamentação Financeira (outubro de 2011). Para a carta complete e a lista de organizações que a ratificam, acesse: < www.coc.org/rbw/g20-asked-uphold-human-rights-responsibilities-finance-november-2011>.