Verde e igualitário: financiamento para um desenvolvimento justo e sustentável
Feminist Alliance for  International Action (FAFIA) 
 Kate McInturff 
 Um elemento essencial para assegurar uma implementação consistente de  qualquer acordo internacional é um suporte político e financiamento adequado. A  lacuna entre verbas prometidas e verbas efetivamente alocadas é em si uma  medida crucial da durabilidade dos compromissos políticos.  Fazer o acompanhamento da alocação, contudo, não é  suficiente para assegurar que os fundos para mudança climática estão sendo  direcionados de forma equitativa e sustentável.  Os fundos do clima devem também integrar uma abordagem  de gênero no planejamento orçamentário e na liberação de tais verbas para enfrentar  e mitigar os impactos diferenciais da mudança climática nas mulheres.  Além disso, a administração e planejamento  orçamentário das verbas devem ser conduzidos com igualdade de gêneros,  envolvendo mulheres e organizações para os direitos da mulher na tomada de  decisão em todos os níveis.
Análises têm demonstrado que continua a haver uma  lacuna considerável entre os compromissos assumidos pelos administradores de  fundos, como o Banco Mundial, quanto a políticas de desenvolvimento equitativas  de gênero e quase uma ausência total de análises baseadas no gênero das  políticas e programação de financiamento para a mudança climática pelo Banco  Mundial.[1] As consequências  dessa ausência são enormes, não só por não acabar com a lacuna entre o  bem-estar de mulheres e homens, mas também pelo sucesso geral de qualquer  estratégia para a mudança climática.[2] Isso porque homens  e mulheres desempenham papéis diferentes em áreas como produção de alimentos,  consumo de combustível, gestão de recursos, resposta a desastres e economia  doméstica. Consequentemente  são afetados de formas diferentes pelas mudanças climáticas e cada um pode dar  contribuições diferentes nos esforços de adaptação e mitigação. 
 As mulheres correspondem à maior parte dos pequenos produtores de  alimentos.   Normalmente são  elas as responsáveis pelo cultivo, preparo e distribuição dos alimentos entre  seus familiares e em sua comunidade. Fundos para a  mudança climática que desconsideram o papel da mulher na produção de alimentos  perdem a oportunidade de ter um impacto significativo tanto na segurança  alimentar como nos esforços de adaptação e mitigação. 
 Estes fundos devem abordar as macroestruturas de desigualdade, ou correm  o risco de aumentar a lacuna entre mulheres e homens. Embora  sejam as mulheres a maioria dos pequenos produtores rurais, e sejam elas as que  têm melhores condições de responder a insegurança alimentar, é muito pouco  provável que o título da terra que cultivam esteja em seu nome.  É pouco provável que tenham direito à propriedade,  inclusive à herança.  Pesquisas mostram que em tempos de escassez de alimentos as mulheres  frequentemente reservam uma parcela maior dos alimentos aos homens da família  do que às mulheres da família. Uma avaliação dos fundos climáticos sensível ao gênero  deve considerar não apenas como as verbas são distribuídas, mas quanto dessas  verbas é alocado para atacar os empecilhos estruturais à plena participação  feminina.  
 Uma análise dos fundos climáticos com viés de gênero deve também prestar  atenção à divisão de trabalho remunerado e não-remunerado.  Essa é uma área onde o orçamento com viés de gênero  pode dar uma contribuição particularmente significativa para entender como  melhorar o financiamento climático. As mulheres  continuam a desempenhar uma quantidade desproporcional do trabalho não-remunerado,  e muito dele diretamente impactado pelas mudanças climáticas. Esse  trabalho inclui as tarefas de cultivo e preparo de alimentos e obtenção de  água, o que é dificultado pela seca e outras mudanças nos padrões  meteorológicos.  Inclui obter e usar combustível para limpar, cozinhar e esterilizar. Todo  esse fardo é ainda mais pesado devido aos impactos negativos da mudança  climática.   Contudo, muito  desse trabalho não faz parte da economia monetarizada.  Assim, os mecanismos de financiamento climático que  medem o impacto em termos de trabalho pago e PIB ou PNB não captam o peso  crescente do trabalho não remunerado sobre as mulheres nem o impacto das  estratégias de mitigação em diminuir esse fardo. Uma  carga de trabalho não remunerado menor não apenas aumentaria a capacidade das  mulheres em entrarem no mercado de trabalho remunerado, e assim, potencialmente  aumentar sua independência econômica, mas pode também aumentar as oportunidades  de educação para meninas e mulheres. Aumentar o nível de  escolaridade das mulheres, por sua vez, tem demonstrado um impacto positivo na  saúde da mulher e de suas famílias. Contudo, nada disso  pode ser medido sem medir a natureza e o efeito do trabalho não-remunerado em  mulheres e em suas comunidades. 
 O exemplo do trabalho não-remunerado levanta uma  tensão mais fundamental para os esforços de monitoramento de fundos para a  mudança climática. Planejamento orçamentário com viés de gênero ou com viés climático são  ambos baseados na premissa de que orçamentos são declarações de valores e não  simples respostas mecânicas ao mercado e outras dinâmicas econômicas. Orçamentos com base  de gênero ou climática assumem que gastos são uma oportunidade de mudar para  melhor - para uma macroeconomia que seja sustentável e equitativa, que meça o progresso  em termos de bem-estar e não do PIB, que capte as mudanças na qualidade de  vida, e não apenas nas finanças. Assim sendo, esse tipo de monitoramento e análise  reenquadra radicalmente a teoria econômica neoliberal. Na prática, contudo, os projetos orçamentários para  gênero ou para clima frequentemente invocam tanto as ideias de justiça e  equidade como os argumentos da economia tradicional que se referem ao  custo-benefício e crescimento. Em tempos de crise econômica global é difícil ter  argumentos que desconsiderem o custo e a produtividade. Contudo, quando os atores do estado começam a  retroceder nos seus compromissos internacionais para mudança climática e para a  igualdade de gêneros, frequentemente o fazer citando o custo de cumprir com  esses compromissos. Em face ao argumento de que justiça e igualdade são caras demais,  aqueles que propõe valores que subscrevem projetos orçamentários de clima e de  gênero devem enfrentar a contradição inerente às suas próprias táticas — devem  considerar se pretendem ou não apresentar demandas de justiça e igualdade mesmo  quando os objetivos finais são contrários ao crescimento do mercado e à  produtividade.  

